quarta-feira, 30 de maio de 2007

O trovador do sertão



As paisagens do sertão nordestino tão bem recriadas pelo compositor cearense Humberto Martins Teixeira (1915-1979) foram novamente redescobertas. Seus versos, seus temas, sua elegância matuta e brejeira novamente saem agora do limbo da nossa memória nacional.

De forma tímida – mas não menos ambiciosa, tudo começou em 2002, quando foi lançado um CD, “Doutor do Baião” (Biscoito Fino), contendo 18 de suas canções. No final do ano passado, deu-se o término das gravações do documentário sobre sua vida, “O homem que engarrafava nuvens”, realizado pelo cineasta Lírio Ferreira e atriz Denise Dummont.

Dando continuidade ao resgate de seu legado, chega às prateleiras das livrarias do país a luxuosa edição bilíngüe “Cancioneiro Humberto Teixeira” (Jobim Music/Good Ju Ju), trazendo o songbook, com 173 canções listadas de seu repertório, e uma biografia.

Idealizada por Ana Lontra Jobim e a mesma Denise Dummont, filha de Humberto Teixeira, a obra conta com as participações especialíssimas. Quem assina o prefácio é Tárik de Souza; a introdução fica a cargo de Sérgio Cabral; texto de Ricardo Cravo Albim; apresentação de Roberto Smith e supervisão musical de Paulo Jobim.

Gringo Cardia enfileira o time de craques com um seu projeto gráfico para lá de especial, dando efeitos pop e supercoloridos a fotos e documentos. O volume reúne ainda 41 obras escolhidas do autor, contendo partituras e arranjos elaborados pelo compositor mineiro Wagner Tiso.

Retirante das Letras

O nome de Humberto Teixeira traz com ele um dos eixos transformadores da musica popular brasileira na primeira metade do século XX. Sua carreira como compositor começou em 1934, dois anos depois de chegar ao Rio de Janeiro, cidade na qual veio tentar a sorte como tantos outros conterrâneos, fugindo da seca que assolava o chamado polígono da seca (Ceará, Paraíba, Piauí e Pernambuco).

Daí não parou mais, enfeitiçando, com suas poesia, as vozes daquele período, totalmente embriagadas pelo charme de suas composições. Ciro Monteiro (“Deu me perdoe”), Orlando Silva (“Só uma louca não vê”) e Francisco Carlos e Natalina (“Meu brotinho”) são alguns deles. Ao longo da carreira fez ainda sambas e valsas.

Advogado por profissão, Teixeira fez parte do restrito panteão de intelectuais de nosso cancioneiro popular, cujo altar era composto por Ari Barroso, Mario Lago, Custódio Mesquita, Braguinha, Orestes Barbosa e outros.

Foi ainda deputado federal pelo Ceará. Criou a Lei Humberto Teixeira para divulgar a arte brasileira no exterior, lutou pelo direitos autorais, tendo sido presidente da UBC (União Brasileira dos Compositores).

O velho Lua

O estouro popular de Humberto Teixeira começaria a se delinear a partir de 1945, quando o compositor, arranjador e instrumentista Lauro Maia, seu cunhado e também parceiro, o apresentaria a um certo Luís Gonzaga do Nascimento (1912-1989), sanfoneiro arretado, natural de Exu (PE).

Nasceria deste encontro o baião, gênero musical que anteciparia as duas futuras revoluções musicais e estéticas trazidas pela bossa nova (1958) e o tropicalismo (1967), este, inclusive, acabaria por também o absorver através do seu espírito oswaldiano pós-1922.

Quem explica é o próprio Doutor do Baião em depoimento registrado no livro. “Não inventei o baião. Jamais tive essa pretensão. Apenas estimulado pela presença forte de Luís, urbanizei e depois adaptei ao estilo citadino esse antigo ritmo, já conhecido e tradicional nas veredas de boa parte do Nordeste, tão velho como o sertão que lhe deu berço. O baião sempre existiu nas quebradas do sertão, sempre foi música do povo”, revela.

A palavra baião vem de baiano, como era chamada a dança popular nordestina. Segundo o pesquisador José Ramos Tinhorão, ela apareceu na discografia brasileira pela primeira vez no ano de 1920, quando José Luís Rodrigues Calazans, o Jararaca, gravou “Samba Nortista”, do pernambucano Luperce Miranda.

“Eu vou mostrar pra vocês”

Gonzaga está para Teixeira, assim como Aldir Blanc está pará João Bosco. É um daqueles casamentos musicais raros. Juntos, eles imortalizaram o gênero através de sucessos que ecoavam através daquele aparelhinho imprescindível em toda a sala que se prezasse no Brasil lindo e trigueiro daqueles anos 40 e 50: o rádio.

São desta época, os clássicos “Asa Branca”, “Baião”, “Assum Preto”, “Estrada do Canindé”, “Juazeiro”, “Légua Tirana”, “Lorota Boa”, “Mangaratiba”, “No Meu Pé de Serra”, “Paraíba”, “Qui Nem Jiló” e “Respeita Januário”, entre outras.

O ritmo viraria moda no mundo a partir de 1950, quando “Delicado”, de Waldir Azevedo, conquistou os Estados Unidos. Invadindo também o cinema, com Carmem Miranda interpretando “Baião”, em “Nancy goes to Rio” e a talentosa atriz italiana Silvana Mangano cantando “O baião de Ana”, no filme “Ana”, com direção de Alberto Lattuada.

Mas como tudo na vida tem um fim, em 1950, calejados pelas divergências com relação às entidades arrecadadoras de direito autoral no Brasil, a dupla se desfez, cada qual dando outros rumos às suas carreiras.

De Teixeira, poderiam se ouvir ainda, entre outras, “Kalu” (inspirada na musa Lila Lea Lemos - mãe de Denise), “Eu sou o Baião” (feita sob encomenda para a rainha do gênero Carmélia Alves) e a genial “Adeus, Maria Fulo”, parceria com o mestre Sivuca (1930-2006), ganhando uma nova releitura na voz dos quatro anjos do apocalipse, Os Mutantes, em 1968.

Palavras iluminadas pelo sol e a poesia

“Cancioneiro Humberto Teixeira” possibilita entrever as veredas de seu universo marcado pela diversidade musical. Manejando sua pena ao lado de Gonzagão, o compositor fez com que os olhos da nação se voltassem para a realidade e a cultura nordestina (comida, dança, música, vestuário etc). Inaugurando o momento em que a canção mergulha no país de forma profunda, trazendo consigo belezas rítmicas e sonoras.

Suas palavras carregadas de sol e poesia contribuíram definitivamente para que outros cantadores e compositores nordestinos, passados quase cinco décadas de sua estréia, aportassem no Sudeste trazendo consiga referenciais e estilos diversos. Vale lembrar de Elba Ramalho, Fagner, Alceu Valença, Vital Farias, Geraldo Azevedo, Amelinha, Ednardo, Zé Ramalho etc.

Com ele, o espaço físico da caatinga se adensa, serve de cenário para os seus achados poéticos, cujas metáforas, amparadas na coloquialidade da linguagem, emocionam.Vide “Asa Branca” (“Quando o verde dos teus óio/Se espaiá na plantação”) ou “Juazeiro” (Juazeiro, meu destino/Ta ligado junto ao teu.../No teu tronco tem dois nomes/ela mesmo é que escreveu”). Para ficarmos apenas com estas duas.

Auto-retrato

Certa ocasião, Humberto Teixeira, na tentativa de traduzir o que era o baião, fez constar um pequeno ensaio no boletim da União Brasileira de Compositores, cujo faximile é reproduzido nesta edição, no qual se lê:

“Uma sextilha dolente de Juvenal Galeano...Uma trova matuta de Leonardo Mota...Ouro do Sol..o fogo do sol...a ira do sol (...) O cheiro da terra molhada misturada ao cheiro do sertão...(...) Um romance de José Lins do Rego (...) A sonoridade triste da minha lira canhestra...As endechas sem métrica da minha musa capenga.
-Isso, tudo isso, é BAIÃO”

Tudo isso também é Humberto Teixeira, cujo legado musical e cultural, com toda certeza, continuará brilhando na constelação do imaginário afetivo de milhões de brasileiros.

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Cartola invade as telas de cinema em grande estilo


Esqueça o que te disseram sobre “Homem Aranha 3” ou “Piratas do Caribe 3”. A bola da vez é mesmo “Cartola – Música Para os Olhos”, filme dos diretores Hilton Lacerda e Lírio Ferreira, que chegou aos cinemas no último da 6 de abril. A produção ficou a cargo de Clélia Bessa e Paola Vieira, da Raccord Produções.

O filme tem a ousadia de ser simples, cronológico, sofisticado e poético. É um filme que se aproxima do seu principal objeto, o compositor e sambista, que, sem ser letrado, fez canções e versos dignos de um imortal. Cartola, um artista do subúrbio carioca cuja obra é uma ponte cultural que liga um país dividido socialmente, empresta a biografia para os diretores contarem, sobre o ângulo original, parte da história da Mangueira, do Rio de Janeiro e da nossa música do século passado.

Na construção desse discurso, os diretores refazem ambientes, captam depoimentos e costuram essas imagens com ficção, documentário e material jornalístico de arquivo. Os testemunhos partem de pessoas que conviveram com Cartola, além de críticos, historiadores, cantores, músicos e compositores.

As imagens de arquivos resgatam longas-metragens, reportagens e entrevistas nas quais o sambista e o samba são o foco. Os filmes escolhidos são, na sua maioria, musicais das chanchadas das décadas de 40 e 50 e o cinema novo. São utilizadas cenas que criam e recriam dentro do espírito poético da narrativa.

Visões em verde e rosa

Segundo Lírio Ferreira, a idéia de construir uma narrativa cinematográfica tendo Cartola como tema, surgiu em 1998, junto com o também cineasta Paulo Dantas, que acabou desistindo do projeto. Ele explica que Hilton Lacerda acabou topando a parada.

“O primeiro tratamento do filme propunha contar a trajetória cronológica do compositor. Evoluímos para um filme que, mais do que registrar fatos de uma época, quer captar o espírito desse período”, contextualiza.

Lírio acredita que o longa se propõe a fazer uma nova leitura sobre a história do sambista, por isso buscou fugir de um simples “olhar naturalista”.

Hilton Lacerda reitera esta percepção ao exemplificar o modo como a narrativa foi desenvolvida. “A gente não queria que o personagem pautasse a narrativa. A intenção seria mostrar uma parte da história do país, desde o inicio do Brasil República até a abertura política. Mas essa mensagem política acabou ficando subliminar”. Ele diz que um dos desafios propostos era elaborar um filme fragmentado que não fosse hermético e que tivesse uma linearidade.

“Cartola é um filme que fala com vários públicos. Uma pessoa com conhecimento de cinema terá percepção diferente da maioria. Mas o público em geral vai sair do cinema conhecendo a história do compositor”, conclui.

RG

Cartola, carioca do Catete, nasceu no em 11 de outubro de 1908, o mesmo ano em que morreu outro gênio da arte nacional, Machado de Assis. Depois de viver durante três anos em Laranjeiras, saiu da Zona Sul e foi morar na Mangueira aos 11 anos. O bairro classe média e o morro deram régua e compasso para os versos e as canções do compositor.

Desde menino, o sambista participava de festas de rua. Aprendeu a tocar cavaquinho com pai e se apresentava no rancho Arrepiados, em Laranjeiras, e nos desfiles do Dia de Reis. Até 15 anos, Cartola viveu com a família e freqüentou escolas de ensino clássicas. Com a morte da mãe, deixou as duas instituições e passou a ter lições de boemia.

O apelido Cartola de Angenor de Oliveira nasceu no canteiro de obra. Como pedreiro, o compositor usava sempre um chapéu para impedir que o cimento sujasse a cabeça. Longe da rotina de pó e da poeira, o pedreiro criava a base para uma das principais escolas de samba do país. Fundou em 1925, com seu amigo Carlos Cachaça, o Bloco dos Arengueiros. Era a semente da G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira, que surgiu em 28 de abril de 1928 da fusão desse e de outros blocos da região. O próprio Cartola escolheu o nome e as cores da agremiação.

A estréia da Verde e Rosa na avenida foi embalada pelo o primeiro samba com a assinatura de Angenor de Oliveira. Era “Chega de Demanda”, composto em 1928 e só gravado por Cartola em 1974, no LP “História das escolas de samba: Mangueira”. Em 1931, o nome do compositor chega em outros territórios. Na época, era comum o artista do asfalto subir o morro para comprar música. Assim fez Mário Reis, que, com um punhado de dinheiro, adquiriu os direitos de gravação de “Que Infeliz Sorte”. A voz de Reis não se adaptou ao samba de Cartola. Quem acabou gravando foi Francisco Alves, que se tornou freguês das composições do mangueirense.

A relação, porém, mudou e Cartola passou a ceder apenas os direitos sobre a vendagem de discos e manteve a autoria. Entre eles estão “Não faz, amor” (em parceria com Noel Rosa, em 1932), “Qual foi o mal que eu te fiz?” (1932) e “Divina Dama” (1933). Nesse período, as criações de Cartola ganharam outras vozes, como “Tenho um novo amor” (1932), gravado por Carmen Miranda, e “Na floresta”, interpretado pelo parceiro da composição, Sílvio Caldas.

Os sambas da Estação Primeira completavam a projeção além Mangueira. Com o primeiro, em parceria com Carlos Cachaça, “Pudesse meu ideal”, a escola foi campeã do desfile promovido pelo jornal “O Mundo Esportivo”. “Não quero mais” (com Carlos Cachaça e Zé da Zilda, de 1936) deu outro prêmio à agremiação. A música, depois gravada por Araci de Almeida (1937), ganhou, em 1973, nova interpretação e título de Paulinho da Viola, para “Não quero mais amar a ninguém”.

O início da década de 40 cristalizou o talento de Cartola entre a elite musical e população mais simples. Ao lado de Donga, Pixinguinha e João da Baiana, participou, em 1940, de gravações com o maestro Leopoldo Stokowski. O repertório de MPB deu origem a dois álbuns de quatro discos lançados nos EUA. No rádio, o compositor atuou como cantor, com músicas próprias e de outros autores populares. Naquele ano, criou, com Paulo da Portela, o programa “A Voz do Morro”, na Rádio Cruzeiro do Sul, no qual a dupla apresentava sambas inéditos de vários autores. Em 1941, formou o Conjunto Carioca, com Paulo da Portela e Heitor dos Prazeres, com o qual participou de programas da Rádio Cosmos, em São Paulo.

Os anos seguintes foram de ostracismo para o sambista. Cartola desapareceu do ambiente musical e muitos viveram a ilusão da morte do poeta. Alguns compuseram sambas em sua homenagem. Mas em 1948, a Mangueira o manteve vivo com o samba-enredo “Vale do São Francisco” (de Cartola e Carlos Cachaça) e conquistou o campeonato daquele ano. Mas Cartola só foi redescoberto pela mídia em 1956, quando o cronista Sérgio Porto o reencontrou. Eram tempos difíceis e o compositor vivia de bicos. De dia, lavando carros em uma garagem de Ipanema e, à noite, trabalhando como vigia de edifícios. Sérgio abriu caminho para o compositor cantar na Rádio Mayrinck Veiga. Logo depois, conseguiu, com ajuda de Jota Efegê, um emprego no jornal “Diário Carioca”.

A década de 60 foi mais suave para o compositor. Já vivendo com Eusébia Silva do Nascimento, a Dona Zica, eles fizeram uma pequena “revolução” gastronômica e musical na cidade. Primeiro, o lar do casal se transformou em ponto de encontro de compositores. Depois, em 1964, a matriz do samba mudou de endereço para o restaurante Zicartola, na Rua da Carioca. A casa fez história com a cozinha comandada por Zica, que ajudava na inspiração de grandes sambistas do morro e de jovens compositores da geração pós bossa-nova.

Só na Terceira Idade, aos 66 anos, o mestre gravou seu primeiro LP, “Cartola”. O disco conquistou vários prêmios. Dois anos depois, lançou o segundo com o mesmo título do anterior. Naquele ano (1966), o cantor fez o seu primeiro show individual, acompanhado pelo Conjunto Galo Preto. Um sucesso de público que ficou em cartaz, no Teatro da Galeria, no Catete, por 4 meses.

O sambista ganhou destaque na TV em 1977: a Rede Globo exibiu um programa “Brasil Especial” dedicado a Cartola. A audiência era crescente na tela e no palco. Em setembro do mesmo ano, o sambista participou do Projeto Pixinguinha, acompanhado por João Nogueira. O espetáculo começou no Rio e a ótima bilheteria carioca levou o show para São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. No mês seguinte, lançou o terceiro disco-solo: “Cartola – Verde que te quero rosa”.
Aos 70 anos, Cartola deixou a Mangueira e foi viver na tranqüila Jacarepaguá de 1978, quando estreou o segundo show individual. O quarto LP (“Cartola – 70 anos”) chegou ao mercado em 1979. Nesse período foi diagnosticado um câncer no compositor. Cartola morreu vítima da doença, em 30 de novembro de 1980.

Os lançamentos seguem após a morte do sambista. A Funarte editou e lançou, em 1983, o livro “Cartola, os tempos idos”, de Marília T. Barboza da Silva e Arthur Oliveira Filho, e, em 1984, o LP “Cartola, entre amigos”. A Editora Globo pôs nas bancas, em 1997, o CD e o fascículo Cartola, na coleção “MPB Compositores” (n°12). Entre composições próprias e de parceiras, Cartola deixou mais de 500 obras.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Alegre e cruel


A cabeleira simpática e grisalha do cantor e compositor baiano Caetano Veloso não esconde os 64 anos de idade. A despeito de uma crítica musical e comportamental cada vez mais egocêntrica no país, debaixo de seus hoje extintos caracóis (alô, Roberto Carlos!) caudalosas correntezas de poesia ainda continuam a fluir.

Depois de seu Foreign Sound (2004), álbum que continha 23 canções interpretadas em inglês e com orquestra, nosso camaleão tropicalista mais uma vez se transmutou, fazendo baixar uma outra e surpreendente pomba gíria no terreiro da cultura nacional.

Este atestado de saúde artística pode ser comprovado em Cê, seu mais recente CD, lançado em setembro do ano passado. Em vez da delicadeza sonora do arranjador Jaques Morelembaum, com quem trabalhou nos últimos 15 anos, desta vez o baiano preferiu imprimir outros rumos à sua carreira.

Por isso, Caetano Veloso chamou para si os músicos Pedro Sá, Marcelo Callado e Ricardo Gomes, que assim montaram uma cozinha básica, feita de guitarras, baixo, bateria e teclado. A produção ficou a cargo de Pedro Sá e seu filho Moreno Veloso. Já as 12 faixas são assinadas pelo compositor, um fato inédito, como revelou o próprio em entrevista na época.

O título, uma contração do pronome de tratamento você, foi escolhido, segundo ele, em razão de sua coloquialidade. “Havia algumas músicas em que a palavras ‘você’ aparecia, mas eu cantava ‘cê’. Daí, quando vi escrito, achei que ficava bacana”, explicou.

Líbelo anti-repressor

Cê foi saudado pela mídia com uma dos melhores trabalhos do compositor nos últimos anos, relembrando, em tese, outras pérolas de sua discografia, como Transa (1972), Jóia (1975), Uns (1983) e Velô (1984).

Mas nem por isso agradou a gregos e troianos. “Fui informado do CD de Caetano, que é mais rock, e, já sem ouvir, eu sou contra. Prefiro lembrar dele pelas coisas que ele fez, e não pelas coisas que ele pretende fazer para a mídia (...). Transformar rock’n roll em cultura e chamar de brasileira, me cansa a beleza”. A declaração, de um ressentido Dori Caimmy, dada em entrevista à época, mostra bem o panorama das coisas.

A partir dela, podemos traçar um paralelo interessante sobre as intenções do artista, que (clichê do clichê) nunca foram ou são para agradar o grande público e a crítica especializada. Cê é um disco de ruptura, mesmo que momentânea. As canções exalam sexo, tesão, amarguras, a passagem do tempo e uma certa desilusão quanto à modernidade.

O líbelo contra a passividade e a apatia dos sistemas corporativistas em todas as esferas sociais nasce através do som distorcido de guitarras e microfonias, representantes legítimas de um estado de espírito do compositor.

Nele, se mostram um letrista recém separado da esposa, Paula Lavigne, e provocador. “Tu é gênia, gata, edecetra/ Mas cê foi mesmo rata demais/ Meu grito inimigo é: Você foi mor [maior] rata comigo/ Você foi concreta e simplesmente”, desabafa ele em Rocks, sob a fúria sutil dos riff’s de guitarra.

O acerto de contas com o passado amoroso frustrado é proclamado outra vez na melancólica Não me arrependo, “Eu não me arrependo de você/ Cê não me devia maldizer/ Vi você crescer/ fiz você crescer/ Vi cê me fazer crescer também/ Pra além de mim”, sem com isso perder a ternura. É Caetano, como sempre, conciliando contrários.

A catarse sentimental ganha ainda mais intensidade na endiabrada Odeio. A canção é feita de imagens que se conjugam em movimento (“Veio um garoto do arraial do cabo/Belo como um serafim/Forte e feliz feito um deus, feito um diabo/Veio dizendo que sim/Só eu, velho, sou feio e ninguém”). São pequenos estilhaços que, colados ao refrão em forma de mantra lisérgico (“Odeio você, odeio você, odeio você, odeio”), ganham luz própria através dos acordes de um violão.

Sobram homenagens em Waly Salomão, referência ao amigo, poeta e agitador cultural morto em 2003, numa das mais densas letras de Cê. “Eu sigo aqui e sempre em frente/ Deixando minha errática marca de serpente/ Sem asa e sem veneno/ Sem plumas e sem raiva/ Suficiente”. O desnudamento de sua fragilidade, marca registrada do artista, mais uma vez triunfa sobre o lugar comum ao som de um tambor aparentemente fúnebre, com leves toques de guitarra.

Libidos poéticas

A temática sexual de Cê também é algo que se sobressai durante a audição. Seja no machismo divertido de Homem (“Só tenho inveja da longevidade/E dos orgasmos múltiplos) ou no erotismo escrachado de Outro (“Feliz e mau como um pau duro/acendendo-se no escuro/ Cascavel/Concentrada e afoita”).

Destaque para a deliciosa e jazzística Porquê? O lúdico Caetano brinca com seu refrão, “Estou-me a vir” (expressão lusitana para indicar o orgasmo), durante a faixa que tem duração de quase quatro minutos.

Os sons do mundo do pop rock e o ar adolescente, que se mostram presentes no novo disco, podem levar a nomes hoje em evidência, que vão desde Los Hermanos a The Strokes. Sem esquecer, evidentemente, a velha guarda: Bob Dylan, Roberto Carlos e Erasmo Carlos e Raul Seixas.

Racismo e preconceito

Outro aspecto importante de Cê é abordagem do problema da identidade étnica brasileira, que, de alguma forma ou de outra, sempre estiveram sempre presentes à obra do artista. Vide a áspera e bela Haiti (música de Gilberto Gil), por exemplo, lançada em 1992.

Assim, o rap que fecha o disco, O Herói, registra a saga de um cidadão negro, que, movido por desejos de semear o ódio racial, acaba por se descobrir um homem cordial. “Nasci num lugar que virou favela/Cresci num lugar que já era/ Mas cresci a vera/ Fiquei gigante , valente, inteligente/ Por um triz não sou bandido/Sempre quis o que desmente este país/Encardido”.

Desvelando ao longo da letra (“descobri cedo que o caminho/não era subir num pódio olímpico e sozinho/mas fomentar aqui o ódio racial/a separação nítida entre as raças”, as sandices de um pensamento ainda que aparentemente distante, bem próximo de nós.

O achado chega quase no fim, “durante a dança”, onde “depois do fim do medo e da esperança” (numa referência irônica às cotas raciais e ao governo de Luís Inácio Lula da Silva), ele se vê diante do espelho. “Eu sou o herói/ Só Deus e eu sabemos como dói”, constata na pele o personagem da canção.

Para alguns, Cê pode figurar apenas como mais um disco de Caetano Veloso, para outros, nem tanto. A densidade do trabalho inspira novos olhares que, com certeza, somente poderão ser intensificados na medida do tempo. Resta-nos, por hora, sorver e apreciar a obra do artista. O resto, a eternidade se encarregará de julgar.

Festa de arromba


Verdade seja dita, nunca um movimento musical esteve tão presente na vida brasileira contemporânea como a Jovem Guarda. Discos, DVD’s e publicações sobre o tema continuam atestando o interesse cada vez mais crescente sobre o assunto.
O maior fenômeno de massa do país teve início há mais de quarenta anos, por meio de um grupo de jovens, capitaneados por Roberto e Erasmo Carlos e Wanderléa, que deixariam suas digitais impressas nas páginas da MPB.

Com seu visual kitsh e vanguardista, aquela turma de artistas criou uma nova forma de compor, cantar e gravar música, de se vestir, de falar, de ser do brasileiro. Resumo da ópera: foi graças a Martinha, Os Vips, Ronnie Von (embora este renegue ter participado da trupe), Deny & Dino, Renato e Seus Blue Caps, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani, Eduardo Araújo, Leno & Lílian, Sérgio Murilo e tantos outros, que o pop-rock auriverde é o que é hoje em dia.

Imagine se toda esta hecatombe juvenil atrevida e não menos inocente, surgida naquele domingo de 22 de agosto de 1965, às 16h30, no auditório da Rede Record de Televisão, pudesse ganhar as páginas de um volumoso livro?

Bem, foi isso o que fez o pesquisador Ricardo Pugialli ao lançar seu “Almanaque da Jovem Guarda” (Ediouro, 336 páginas), publicado no final do ano passado.

A obra, repleta de fotos, documentos inéditos, depoimentos dos próprios protagonistas, frases, datas e algumas histórias nunca antes reveladas, acaba de se transformar numa referência para as antigas e novas gerações.

Durante a entrevista ao Nada Será Como Antes, realizada por e-mail, Pugialli revela detalhes da construção do trabalho, comenta o legado deixado pelo movimento dentro da cultura nacional e fala do pioneirismo feminino da “Ternurinha” Wanderléa, que passou parte de sua infância em Lavras (MG).

A cantora, que teve a sua primeira estréia musical em um palco lavrense, voltou à cidade somente 35 anos depois de virar estrela da Jovem Guarda, no dia 16 de outubro de 1999. Na oportunidade, a “Ternurinha” fez uma apresentação histórica naquela noite para uma multidão na praça Dr. Augusto Silva, no coração central do município.

Leia abaixo, na integra a entrevista com Ricardo Pugialli:

- Como surgiu a idéia de escrever livro?
- Desde 1968 (com sete anos de idade), eu curtia Beatles. De repente, pintou um compacto na minha mão (ah, os velhos vinis), com uma canção “Era Um Garoto Que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones”, dos Incríveis. Era a minha canção. A partir daquele dia, eu passei a ouvir mais Jovem Guarda, além de ver o programa na TV. Cresci nos anos 70 curtindo hard rock, glitter, heavy, punk etc. Mas cresci com aquelas histórias da “alienação” e “deslocamento histórico” da Jovem Guarda em relação ao Brasil e sua história. Escrevi em 1992 um livro sobre os Beatles (o primeiro escrito especialmente para o público brasileiro). Em seguida veio a vontade de render as justas homenagens à Jovem Guarda e seus artistas, que são a base do rock no Brasil. E, em 1999, lancei meu primeiro livro sobre o movimento, contextualizando o movimento na história do Brasil e do mundo. Para esta nova edição, que virou o “Almanaque da Jovem Guarda”, eu formatei o livro original e acrescentei um livro inédito, “Os Arquivos Secretos da Jovem Guarda”.

- Fale um pouco sobre o seu processo de construção da obra? Quais foram as suas fontes de pesquisa?
- Inicialmente eu recorri à minha biblioteca particular, criando o esqueleto da obra. Depois, durante um ano e meio me tranquei na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, consultando tudo o que existia sobre o movimento. Depois foram os jornais e fontes de imagens. O passo seguinte foi a parceria com os colecionadores de vinis e revistas, em especial José Roberto “Oldies”, Valdir Siqueira e Nélio Rodrigues, que gentilmente abriram seus acervos. A última parte foi a conversa com todos os artistas, à exceção de Roberto Carlos, por motivo de saúde de sua esposa à época. Com tudo isso em meu banco de dados eu parti para a ordenação das informações e formatação do texto. Para a nova edição, eu tive a maior e mais preciosa fonte de consulta, que resultou em um livro inédito: o caderno de anotações que Roberto Carlos usou na boate Plaza, em 1959. Em torno das informações do caderno eu conto a pré-história da Jovem Guarda.

- Houve algum momento de grande dificuldade durante este período?
- Por incrível que pareça, não. Não tive nenhuma dificuldade. Pelo contrário, o problema foi selecionar o que iria entrar e o que não iria entrar na primeira edição. Para a nova edição o problema foi a formatação do texto, para ficar com a cara do almanaque. E selecionar novas imagens das centenas disponíveis.

- O livro traz novidades encontradas por você, contendo, por exemplo, a primeira letra da parceria entre Roberto e Erasmo Carlos, chamada “Maria e o Samba”. Qual foi a emoção destas descobertas?
- Bicho, nem posso te dizer como foi. Quando o Erasmo falou o nome da primeira composição dele e eu lembrar que estava naquele caderninho, foi indescritível. Seria como estar com os originais de “Yesterday” ou “Imagine” em minhas mãos. E tudo com a letra do Roberto, antes da fama!

- Qual o maior legado deixado pela Jovem Guarda para a música e a cultura nacional hoje?
Tudo. Comportamento, linguajar, vestuário, ritmo, estilo de compor, forma de gravar, performance, atitude. Se existe rock no Brasil, começou com a Jovem Guarda. Se existe música jovem romântica no Brasil, começou com a Jovem Guarda. Se existe guitarra na música do Brasil, obrigado à rebeldia da Jovem Guarda.

- O livro evita a fofoca e temas polêmicos que envolvem todos os ídolos daquele período. Você não teve receio de que o livro se tornasse um pouco chapa branca?
- Não. Eu quis trazer o que foi publicado na imprensa durante 10 anos (1958 a 1968). Tem fofocas, tem notícias bombásticas, tem fatos históricos, tem as carreiras dos artistas. Eu me propus a resgatar a importância histórica do movimento e de seus artistas. Eu não quis dizer que fulano “pegava” ciclana e vice-e-versa. Claro que isso acontecia e rolavam historinhas no livro. Mas eu não ia, em detrimento de um fato historicamente importante, colocar como eram as transas nos bastidores ou se rolavam orgias e drogas. Não era a idéia do livro. Eu quero que estes livros sejam obras de consulta durante décadas a frente. E não esquecidos daqui a um ano, pois tem uma nova fofoca “da hora”.

- Pelo fato de ser o principal vulto feminino da Jovem Guarda, qual a importância de Wanderléa dentro daquela cena musical?
- Ela foi uma pioneira na atitude feminista dos anos 60. Ela ousou nas roupas, ela ousou nas músicas, ela ousou no linguajar, ela ousou na performance. Ela dividia o palco com dois homens e era vista como o modelo pelas meninas. E foi odiada pelas mães. E lançou moda. Se não houvesse acontecido uma Wanderléa, o papel das meninas dos anos 60 teria ficado mais arraigado às tradições dos anos 50 do que nas ousadias dos anos 70.

- Você achou justa a celeuma criada entre Roberto Carlos e o autor de sua biografia não autorizada, “Roberto Carlos em Detalhes”, escrita pelo jornalista e pesquisador Paulo César de Araújo?
- O livro, por seu conteúdo histórico, tinha (e tem), tudo para ser um dos maiores livros de história recente. Mas, na minha opinião, usou cores fortes em certos pontos (até justificáveis por ser uma biografia “não” autorizada), que podem ainda render muito “panos para mangas”...

- Sua obra tem a intenção de simplesmente informar o leitor ou também de redimensionar criticamente o movimento da Jovem Guarda?
- Eu quis contextualizar a Jovem Guarda dentro da história do Brasil, rendendo a justa importância de seus artistas para a nossa música. E também quis falar de todos os jovens que um dia pegaram numa guitarra ou bateria e foram tocar rock por causa da Jovem Guarda. Hoje os filhos dos artistas que eram totalmente desconhecidos do grande público, podem ver o nome de seus pais no livro e dizer: “Nossa, o papai tocou mesmo na Jovem Guarda”. Estou cansado de ver o “ranço” contra o movimento, o despeito e o desrespeito para com seus integrantes e sua obra. É triste ver parte da imprensa até hoje menosprezar ou ignorar a Jovem Guarda. Por sinal, existe um jornal aqui do Rio de Janeiro que até hoje (de 1999 a 2007) não cita meu livro em seu Caderno dito “cultural”. Prefere ignorar o livro recebido de braços abertos por todos os artistas. Esta é mais uma discriminação contra a Jovem Guarda e seus defensores. Viva a Jovem Guarda!!!

- Quais são seus planos futuros?
- Em termos literários, lançar agora um novo Almanaque, sobre os Beatles, e terminar o livro sobre a participação de meu pai na F.E.B., durante a campanha do Brasil na Itália, na Segunda Guerra Mundial. Em termos musicais, eu sou o empresário de duas bandas cariocas: a Flaming Youth (http://www.kissrj.com/), única cover do Kiss maquiada do Rio de Janeiro, com turnê em 2007 por todo o país; e a Snow (www.myspace.com/snowhard), banda de hard rock que estará também em turnê nacional, lançando seu CD. Novidades em meu portal pessoal http://www.tucunare.bio.br/. É uma brasa, mora?

quinta-feira, 17 de maio de 2007

O lado b do maestro



Fátima Guedes continua a mil. Cantora e compositora com mais de três décadas de carreira, ela, ao contrário de tantos outros nomes, tem mantido o arco da sua criatividade sempre teso.

Carioca nascida no subúrbio, ela teve seu reconhecimento público conquistado junto ao boom de compositoras femininas ocorrido na MPB no final dos anos 70, despontando para o sucesso ao lado de Sueli Costa, Joyce e Ângela Rô Rô.Nas vozes de Wanderléia, Nana Caimmy, Simone e Elis Regina, suas canções realçaram aquilo que desde sempre tiveram: coesão, densidade e qualidade insuspeitas.

Prestes a completar 50 anos em 2008, Fátima nos brindou recentemente com seu “Outros Tons”, álbum que tem como base o repertório pouco conhecido do maestro soberano Tom Jobim (1927-1994). São canções até então encobertas pelo tempo, perdidas entre os clássicos já interpretados pelo nosso maistren musical.

Idealizado e produzido por Marcus Fernandes, o álbum apresenta 12 faixas que cobrem o período de 1953 a 1964, ou seja, antes do nascimento oficial da bossa nova (1958) e depois de seu reconhecimento internacional, ocorrido no histórico show do Carneggie Hall, em Nova York (1962).

Trata-se de um verdadeiro mergulho sentimental na primeira fase da carreira do maior compositor moderno brasileiro, quando este, ainda jovem e recém casado, ganhava a vida nas famosas boates de Copacabana, como Ranchinho do Alvarenga, Vogue, Bambu Bar, Tassa, Mocambo, Tudo Azul, French Can-Can e Acapulco.

“Não era fácil. Tom chegou a desconfiar daqueles que previam a sua morte por tuberculose, pois o trabalho na noite não se limitava à tarefa profissional propriamente dita, mas um ritual que incluía uma boemia fundamental para o próprio trabalho”, fez registrar o jornalista Sérgio Cabral em seu livro sobre Jobim.

“Outros Tons” reinventa, com apuro técnico e originalidade, todo o ideário bossanovista (amor, dor, tristeza e alegria), sobretudo, pelas pelo clima intimista que determinados arranjos ganham a cada audição. A voz da intérprete oferece todo seu talento e delicadeza, valorizando as harmonias e melodias sofisticadas e acessíveis do compositor.


Madrugadas intermináveis

Fátima vem acompanhada por Paulo Midosi (piano), Ronaldo Diamante (baixo) e Élcio Cáfaro (bateria), que juntos, reconstroem o clima de uma época outrora delicada, um Rio de Janeiro mítico, cuja atmosfera podia ser ouvida em suas músicas.

Há preciosidades como as duas primeiras canções gravadas de Tom. Em “Faz uma semana” (Jobim/João Stocler), de 1953, os versos traduzem um estado de espírito. “Faz uma semana/Que não vejo o meu amor?/ Faz uma semana/Que eu não sei onde estou/De manhã cedo/O sol tão claro,/Dói nos meus olhos/Como me dói esta saudade/ De você, de você”. Minto?

Já no caso de “Incerteza” (1956), estamos diante de um pequeno achado da pioneira parceria do maestro com o pianista Newton Mendonça. Amigos de infância e noitadas, ambos mostram neste samba-canção o que o gênero tem de melhor.

A dupla reaparece em “Lua e batucada”. Samba moderno e urbano, datado de 1957, que puxa o cordão da alegria em versos inesquecíveis. “Fala bateria!/Bate meu pandeiro!Despeja tamborim!Assim../Que este samba é/Dono do terreiro/Manda na cidade/Sacode o mundo inteiro”, ponteia o refrão.

Piano solitário

A cantora e compositora reavalia o lado letrista de Tom gravando três canções representativas do período. “Olha pro céu” (1960) - grande momento introspectivo cercado de lirismo, “Pra não sofrer” (1962) e “Pensando em você” (1953).

Canções estas que exemplificam temas caros ao compositor, como é o caso da ecologia (“Velho riacho/Que vem lá de serra/Cantigas antigas/Me contou”) e o amor no cotidiano (“Eu vivo sempre a esperar/Um dia a mais, outra canção/Eu cantei pra saudade enganar”).

Parceria eterna

Tom Jobim e Vinícius de Moraes simbolizaram um casamento perfeito dentro da MPB. Música e letra da mais alta estirpe. Eles se conheceram em 1956, no famoso Villarino, bar de Copabacana que abrigava a nata da intelectualidade carioca. Uma parceria breve, mas eterna.

Fátima pesca ainda duas belas canções deste período fértil da dupla. A primeira é o samba “Na hora do adeus” (1960). Nos versos, o poetinha manda seu recado sem choro nem vela. “O amor só traz tristeza/Saudade, desilusão/Porém maior beleza/Nunca existiu pra iluminar/Meu pobre coração”.

Segue-se “Vida bela (Praia branca)”, já gravada pela inesquecível Elizeth Cardoso em seu emblemático LP “Canção do amor demais” (1958). Perdida entre outras obras-primas do disco, ela novamente ressurge, mostrando toda plasticidade de imagens e sua riqueza sonora.

Há também duas parcerias com Luiz Bonfá, compositor versátil, capaz de criar pequenos clássicos como a “Chuva caiu” (1956) e “Engano” (1964). Gol de placa.
"Outros Tons” se consolida como um marco importante na ampla discografia dedicada à obra do maestro. Prova de que sua música permanece como uma inesgotável fonte de pesquisa para novas aventuras como está empreendida pela artista.

Violões endiabrados




Um parêntese. Vale destacar o trabalho do grupo Maogani. Quarteto de violões formado por Paulo Aragão, Carlos Chaves, Marcos Alves e Maurício Marques. Músicos de formação erudita e popular que ultimamente estão renovando a música brasileira contemporânea.

Com três álbuns no mercado, dois pela Rob Digital, “Maogani” e “Cordas Cruzadas”, o grupo une técnica e sensibilidade em um repertório eclético, cujas influências passam pela música popular brasileira, o jazz e a música latino-americana.
Apadrinhados por ninguém menos do que carioca Guinga, um dos maiores violinistas e compositores brasileiros contemporâneos, o Maogani ganhou a cena na segunda metade da década de 90. Recebendo as bênçãos do também do compositor Aldir Blanc e a cantora Leila Pinheiro.

Novos arranjos e interpretações para antigos clássicos. Está parece ser a fórmula encontrada pelo quarteto para arejar, por exemplo, “Morro Dois Irmãos” (Chico Buarque), cujo arranjo originalíssimo emociona. O mesmo se dá com “Passaredo” (Chico Buarque/Francis Hime) e “Cai dentro” (Baden Powell/Paulo César Pinheiro).

Na cozinha sonora do Maogani há espaço para os mais variados condimentos estilísticos: choro, baião, samba, valsa, milonga etc. Os álbuns trazem ainda participações especiais, como Ed Motta, Joyce, Jane Duboc, Guinga, Mônica Salmaso, Celina Vaz, entro outros.
Simplesmente divino!

terça-feira, 15 de maio de 2007

Erotismo, rock and roll e uma espatódea no jardim de Nando Reis



Sexta-feira. Dia 11 de maio de 2007. São quase 17h. Saio da redação às pressas pois tenho o compromisso de pegar minha credencial para entrevistar Nando Reis, cujo show acontece na mesma noite, no centro de eventos Expo Lavras Show (Lavras-MG). Evento organizado pela DW Promoções em parceria com a DM Promoções.

Chego na hora marcada. Missão cumprida. Enquanto espero pelo início da coletiva com o cantor e compositor (que iria rolar somente quase três horas depois, acreditem!), vejo que no palco já montado a ladainha de sons da “tchurma” do Nando tem início: Alex Veley (teclados), Carlos Pontual (guitarra), Diogo Gameiro (bateria) e Felipe Cambraia (baixo). O fumacê denúncia: são Os Infernais. Em carne, osso e ruídos.

O cenário em branco e preto reproduz os crustáceos da capa de seu último CD “Sim e Não”, lançado no ano passado. São formas fálicas, côncavas, misteriosas, que rementem à eroticidade mesma do álbum. “Me dê seu leite como meu licor/Me dê seus peitos cheios de amor/Me dê um beijo sem nenhum pudor/E você me penetra”, diz a letra de “Monóico”.

Passagens de som costumam ser interessantes. Os músicos se entregam. Não há uma platéia centrada, só um público maroto, descompromissado e curioso que se mistura aos roudies. Por um triz a vida parece ser doce. E tome acordes, afinações, vocalizes e luzes.

De repente, nosso tão aguardado convidado chega. Veste um índigo blusão (perdão, São Gilberto Gil!) que contrasta com o cachecol vermelho esvoaçante em seu pescoço. Nando brinca com os músicos. Ri. Dá uma tragada no cigarro e faz o seu showzinho particular. Rolam as pedras. “Sim”, ‘Segundo Sol”, “Sou dela”, “Etc”, “Tentei fugir” e outros petardos. Sobra até um “Lindo balão azul”, tema pimpão da lavra de Guilherme Arantes, que, por estranhas razões, ficou fora do show que começaria a 1h da manhã de sábado, dia 12. O qual encarei de frente, mesmo quase congelando embaixo do meu casaco de veludo por causa do frio. Não ia perder a melhor turnê do cara. Redondinha e cheia de canções libidinosas.

Câmeras, microfones, gravadores em ação. Começa a coletiva em um camarim minúsculo e improvisado. São 20 minutos que parecem uma eternidade. Nando fala de forma concisa e sobre temas variados.

O Nada Será Como Antes não ficou só com esse mérito. Partiu para o ataque. Prova é o bate-papo rápido e rasteiro com a percussionista Elaine Moreira, a Lan Lan - que passou a tocar ao lado de Nando e Os Infernais nesta fase final da turnê do álbum “Sim e Não”, o qual você confere logo mais abaixo (ver postagem "O lance de dados de Lan Lan"). Divirtam-se!

A saída dos Titãs

"Eu permaneci 20 anos nos Titãs. Saí no final em 2002. Foi um processo natural. Tenho orgulho ter feito parte desta história. Acredito que a gente deu uma contribuição para a consolidação do rock nacional, como uma força da música brasileira. O grupo trouxe mudanças de cenário para o mercado. Foi um legado"

Os 20 anos de lançamento de Cabeça Dinossauro

"Ele é um disco importantíssimo não só na minha história e dos Titãs, mas no do rock and roll. É um disco-símbolo, como o foram “Selvagem”, do Paralamas do Sucesso, e “Nós Vamos Invadir sua Praia”, do Ultraje a Rigor. Estas datas de certa maneira servem mais para rememorar. “Cabeça Dinossauro” está dentro do seu tempo. Está é sua força. Ele é muito expressivo sobre a situação do Brasil e o tipo de relação que a juventude tinha dentro daquele cenário pós-ditadura, onde havia resquícios de repressão e uma tentativa de estabelecimento das liberdades. Cabeça Dinossauro foi censurado em duas faixas: “Igreja” e “Bichos Escrotos”"

Igreja

"É curioso estarmos falando de “Igreja” (música e letra de autoria de Nando Reis) neste momento em que o papa está visitando o Brasil. Não tenho qualquer peso por ter escrito está música. Meu pensamento é um pouco parecido com o daquela época no que diz respeito a este assunto. Talvez um pouco mais tolerante do que fui. Para fazer uma canção como está é necessário ter um pouco de iconoclastia e inconseqüência. A expressão contestatória exige um certo desprendimento"

Novo disco

"Não tenho medo de nada, bicho. Eu faço o que gosto. Acho que o disco [Luau MTV] tem um sentido artístico. Não estou nem aí para o que a imprensa diz. Este disco surgiu de forma meio inesperada, entendeu? Era para ser somente um programa de televisão que iria virar DVD. Mas ficou tão bonito, que a gente resolveu lançar em CD. Quem quiser que compre, quem não quiser, que ignore. Por que eu haveria de me boicotar?"

Espatódea

"A música “Espatódea” eu fiz para a minha filha chamada Zoé. Ela é a única ruiva dentre eles. Eu já tinha feito uma música para o meu filho Sebastião (“O Mundo é bão, Sebastião”), então ela me requisitou uma. Ficou muito linda a música. Eu acho que é uma das coisas mais bonitas que fiz. Ela entrou na novela das oito, Paraíso Tropical, e está tocando. É muito bom ver as pessoas as pessoas cantando ela"

Cássia Eller

"(Visivelmente desconcertado) Isso é uma merda, né bicho?! Perder uma pessoa tão próxima, importante e jovem dessa maneira idiota. Pessoalmente é uma tristeza enorme sempre. Ontem eu estava dando entrevistas sobre o Luau [MTV], quando um repórter me perguntou: “Pô, a Cássia estaria aí, né? Eu disse: claro!”. De vez em quando vem a recordação do absurdo que é uma pessoa tão presente não estar mais entre a gente. Eu perdi três amigos em um curto período de tempo: ela, o Marcelo [Fromer] e o Tom Capone. As pessoas são insubstituíveis, né? "

Biografia de Roberto Carlos (sobre a decisão judicial que suspendeu a comercialização da biografia do rei, “Roberto Carlos em Detalhes”, de autoria do historiador e jornalista Paulo César Araújo).

"Eu achei meio bobo (...) Mas sei lá, por outro lado, cada um faz o que quer e paga o preço. Não posso julgar o Roberto. Não li o livro, mas parece que é uma pesquisa séria. Por outro lado, fala da vida dele e ele tem o direito de se incomodar com isso"

Planos futuros

"O principal é lançar a turnê do “Lua MTV”, que começa no final deste mês (26 e 27 de maio no Citbank Hall, em São Paulo). O negócio é continuar na estrada"

Um lance de dados com Lan Lan


A primeira impressão que a gente tem ao entrevistar a percussionista Elaine Moreira, a Lan Lan, é que há em seu olhar uma delicadeza ímpar. No palco, as coisas se transformam num imenso cataclisma. É como se todos os orixás de sua amada Bahia se reunissem por alguns instantes em torno dela para discutir alguma celeuma.

Confira abaixo um bate-papo que o Nada Será Como Antes conseguiu com exclusividade com a ela. A conversa aconteceu na sexta-feira, dia 11. Lan Lan esteve participando de um show de Nando Reis e Os Infernais realizado na cidade de Lavras (MG), nesta mesma data (ver postagem:“Erotismo, rock and roll & uma espatódea no jardim de Nando Reis”).

Como é voltar a tocar com Nando Reis?
Pra mim, é maravilhoso estar de volta com o Nando. Sou uma ancestral dos Os Infernais. Toco com ele há bastante tempo, desde o álbum “12 Janeiro”, seu primeiro disco. Ele é meu amigo e parceiro querido de longas datas. Antes de tocar com a Cássia [Eller], eu tocava na banda do Nando. Eu e ela nos conhecemos num show dele.

Passados cinco da morte de Cássia Eller, você acha que o legado dela está sendo explorado pelas novas gerações?
Acho que a vida e a música ficaram mais sem graça sem ela. Que bom que o Nando está aí para manter está tribo, este legado. Eu e ele fomos e somos da turma da Cássia, então é bom a gente estar junto.

Você tem uma formação musical acadêmica ou autodidata?
Sou baiana e comecei a tocar bateria muito cedo em Salvador, onde fiz parte de uma banda de rock chamada “Rabo de Saia”. Depois eu fui para a percussão e o violão, chegando a compor. Trabalho com música desde os 16 ou 17 anos.

Quais os trabalhos que você destacaria ao longo de sua carreira?
O meu primeiro trabalho como percursionista foi com o Carlinhos Brown. Toquei com a Elba [Ramalho]. Fiz duas turnês com a Marisa Monte, “Cor de Rosa e Carvão” e “Barulhinho Bom”. Toquei ainda com Tim Maia e Nelson Gonçalves. Foram trabalhos que me deram uma base de vários estilos musicais diferentes.

A gente sabe que nem sempre os músicos brasileiros tiveram o devido respeito e seus trabalhos valorizados. Para você, o trabalho da categoria está mais bem reconhecido hoje em dia?
Não tenho do que me queixar. Tenho uma boa carreira, tocando, acompanhando e gravando. Fiz meu disco solo em 2002 ("Com ela"), o qual ganhei o APCA (Associação dos Críticos de Arte) em 2002. Tenho um trabalho musical de composição que também está aí na roda.

sexta-feira, 4 de maio de 2007

Neta do Poetinha em Fase Madura


Mariana de Moraes chega com tudo em “Se é Pecado Sambar” (Lua Music), seu primeiro CD solo lançado no Brasil. Ela ressurge depois de um longo período de hibernação. Seu último registro fonográfico aconteceu em 1997 ("Alegria Continua"), quando esteve ao lado de Zé Renato e Elton Medeiros.

Neta do compositor e poeta Vinicius de Moraes (1913–1980), a cantora tem no currículo duas décadas de atividade artística, que inclue, além da música, cinema, teatro e novelas. Mais recentemente, ela deixou os marmanjos embasbacados com sua aparição relâmpago (estou entre eles, ok?) no documentário sobre seu avô, “Vinicius”, de Miguel Faria Jr.

“Se é Pecado Sambar” foi lançado nos Estados Unidos em 2001 e no Japão, em 2003. A idéia partiu do arranjador, compositor e pianista Guilherme Vergueiro, que fez a proposta para a interpréte. Depois do convite aceito por ela, o projeto foi encampado por um selo norte-americano.

Mariana é acompanhada pelo carioca Carlinhos Sete Cordas nos violões e cordas. No repertório há espaço para o ecletismo. A cantora passeia por estandartes bossanovista e jazzísticos, como “Fotografia” (Tom Jobim) e “I Fall In Love Too Easily” (Kahn/Styne), além do sambinha “Agora é Cinza” (Bidê/Marçal), entre outras belezuras. Simplesmente delicioso!

O Mago Contra o Rei

“Roberto Carlos tem muito mais anos na mídia do que eu; já devia ter se acostumado. Continuarei comprando seus discos, mas estou extremamente chocado com sua atitude infantil, como se grande parte das coisas que li na imprensa justificando a razão da “invasão de privacidade”já não fosse mais do que conhecida pelo fãs”

Frase retirada do artigo “O que é ‘contexto desfavorável’”?, do escritor e compositor Paulo Coelho, publicado no Jornal Folha de São Paulo, desta quarta-feira, dia 2. O texto faz referência a decisão da Justiça de proibir a fabricação e a venda da biografia “Roberto Carlos em Detalhes” (Editora Planeta), do historiador e jornalista Paulo Sérgio Araújo. (ver postagem abaixo).

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Nos Bailes da Vida

Os caras continuam mandando bem. Kiko, Nando, Serginho, Paulinho, Cleberson Horsth e Ricardo Feghali - leia-se Roupa Nova, não por acaso, já fazem parte do templo da música pop nacional.
O sexteto de multi-instrumentistas de primeiríssima qualidade despontou para o sucesso no início da década de 80 embalando corações e mentes, levando-os ao Olímpo da música acessível, leve e trabalhada, sem, contudo, cair no kitsch simples e puro.

Eles tocaram e cantaram com senhores e senhoras respeitados da nossa MPB - Gal Costa, Erasmo Carlos, Milton Nascimento, Simone, entre tantos outros, sem perder aquela delicadeza e ingenuidade, que hoje, nestes tempos neoliberais, virou sinônimo de cafonice antiutópica.

Quem aí não se lembra (podem cantar ou assobiar, ok?) de composições tão conhecidas quanto consagradas, como “Canção de Verão”, “Whisky A Go-Go”, “Sapato Velho”, “Dona”, “Coração Pirata”, “A Viagem” e dezenas de outras que ajudaram a arejar as nossas sacrossantas novelas diárias?

O Nada Será Como Antes publica abaixo uma entrevista inédita com o Roupa Nova, realizada em 22 de julho do ano passado, depois de uma apresentação na cidade de Lavras - MG. Na época, o grupo se preparava para lançar o álbum RoupAcústico II. A fórmula do projeto, embora elaborada de forma um tanto palatável entre muitos artistas brasileiros (alô, MTV Acústico!), realçou, de maneira honesta e coerente, diga-se de passagem, o trabalho do grupo.

Nossa conversa rolou com Paulinho e Ricardo Feghali, momentos depois do show, já no início da madrugada, no hall do apart-hotel em que a banda estava hospedada. E foi lá, entre o vozerio de tietes paulistanas que lotavam o local, que ambos analisaram um dos momentos mais marcantes da carreira do conjunto.

- Falem sobre o projeto “RoupAcústico”, lançado em 2004, que pode ser considerado um marco na carreira do grupo.
- Paulinho - São dois projetos muitos sérios e aconteceram na hora certa. Nós sempre tivemos vontade de registrar um de nossos shows em VHS e nunca conseguimos por causa das gravadoras. Por isso, montamos um selo, o Roupa Nova Music, e decidimos gravar um CD ao vivo, o “RoupAcústico I” acompanhado de um DVD. Foi um sucesso de vendas nos dois formatos.
- Feghali - Nós acabamos de gravar o CD e o DVD do “RoupAcústico II”, que vai sair em setembro.

- Como acontece o processo de criação do grupo?
- P. - Cada membro da banda tem uma maneira de criar e tem suas influências. Por exemplo, o Kiko traz o rock'and'roll, o Ricardo tem uma levada mais romântica e o Nando tem uma forte influência da música country americana.
- F. - Os arranjos são feitos de forma coletiva. Já as composições acontecem isoladamente. Geralmente eu e o Nando fazemos as letras.

- As músicas do grupo embalaram temas de novelas da Rede Globo de Televisão, programas da mesma emissora, entre outros. Esse segmento ajudou a consolidar o trabalho de vocês?
- P. - Nós trabalhamos durante muito tempo para o departamento musical da Rede Globo e a gente fazia de tudo: temas de novelas e músicas incidentais. Nosso primeiro produtor foi o Mariozinho Rocha (diretor de trilhas sonoras das novelas da emissora). Muitas vezes nós compúnhamos a canção e outras vezes elas já estavam prontas. Nós conseguimos colocar 27 músicas em 26 novelas.
- F. - Foi um trabalho importante. Na verdade, é como uma faca de dois gumes. Às vezes as canções são boas, mas acabam sendo utilizadas como temas de personagens fracos.

- Durante muito tempo, o grupo manteve uma relação forte com a mídia. Hoje, ela parece ter perdido força, relegando vocês a um certo ostracismo. Como vocês analisam essa questão?
- P. - Não considero um ostracismo estar fora da mídia. Desde o início nós queríamos fazer uma carreira e não um “boom”. Ficamos longe da televisão, mas continuamos a fazer os nossos discos e shows. As nossas vendagens de CD's não caíram. Prova disso é o sucesso do RoupAcústico.
- F. - Eu gostaria de saber qual ao artista, com 26 anos de carreira, que conseguiu ficar na mídia 100%? O que acontece é que o artista tem as suas variáveis. Ele precisa sair um pouco de cena para se reciclar e saber o que está acontecendo. Foi isso o que aconteceu com a gente. Nós fazemos cerca de 100 shows por ano.

- Vocês são considerados grandes músicos pela nata da MPB (Música Popular Brasileira). Como foi a formação do grupo?
- P.- A nossa escola é a da vida. Nós começamos a tocar nos bailes. Hoje temos músicos famosos tocando diversos instrumentos por meio de fitas de VHS. Na nossa época, não tinha nada disso. Nós pegávamos os discos e ouvíamos milhões de coisas diferentes. Isso nos deu uma bagagem muito grande.
- F. - Eu estudei composição e regência no Conservatório Brasileiro de Música, no Rio de Janeiro. Já o Cleberson, passou pela Escola Nacional de Música. No entanto, a nossa grande formação aconteceu nos bailes de salão. Essa relação que a gente mantém com o público durante os shows nós aprendemos tocando para essas platéias.

- O penúltimo trabalho de vocês, “Ouro de Minas”, resgata composições de autores mineiros. Como é voltar a Minas Gerais?
- M. - É muito bom. Faz muito tempo que a gente não se relaciona com essa turma toda. Quando a gente passa por aqui dá uma saudade danada de todos eles. A música nos "Bailes da Vida" (gravada por Bituca, em 1981, no CD Caçador de Mim, teve participação antológica do grupo) foi feita por Milton Nascimento em homenagem ao Roupa Nova.
- F. - Sou mineiro de Belo Horizonte. Contudo, acho que o disco, que teve a participação da Zélia Duncan, Luciana Melo, Elba Ramalho, Sandra de Sá e Ivete Sangalo, poderia ter tido uma aceitação melhor aqui no Estado.

- Como anda a carreira internacional do grupo?
- P. - Nós já estivemos em Portugal, Estados Unidos, Porto Rico e Paraguai, onde, inclusive, temos um público absurdo. Estamos em negociações para tocar na Espanha, África do Sul e Japão.
- F. - A gente prepara uma apresentação num teatro em Nova York. O show acontece em novembro.

- O público que acompanha o trabalho do grupo está sempre em mutação. Há uma nova geração curtindo Roupa Nova hoje?
- P. - É deliciosa essa relação. Há uma galera nova curtindo a gente e isso é maravilhoso. Nós devemos tudo que conquistamos aos fãs.
- F. - Sou um cara muito ligado na Internet e vivo com o laptop para cá e pra lá. Recentemente fiz uma pesquisa nela e descobri que 75% do nosso público hoje é composto por pessoas com idade entre 16 e 25 anos.

- Quais os planos futuros do grupo?
- P. - Nossa força está toda concentrada no selo Roupa Nova Music. Nós pretendemos, por meio dele, trazer grandes talentos esquecidos e mostrar outros desconhecidos para a mídia. Sabemos que a mídia é um pouco radical quando se fala no talento de alguns artistas.
- F. - Nós estamos focados no trabalho de edição do novo DVD “RoupAcústico II”, que tem as participações de Claudia Leite (vocalista do grupo Babado Novo), Tony Garrido (vocalista do Cidade Negra), Marjorie Stiano e do Pedro Mariano (irmão da cantora Maria Rita e também filho de Elis Regina). Estamos muito felizes com o resultado final do projeto.