sábado, 25 de agosto de 2007

Beleléu: marginal urbano entre marginalizados


Você acredita que este mesmo movimento teve o reconhecimento que merece por parte dos pesquisadores, críticos ou ouvintes?

Não! Ainda noto alguma resistência entre os historiadores em dimensionar suas contribuições – o viés do pensamento único e tropicalista ainda predomina. Mesmo o potencial de mercado dessa geração de criadores não atingiu o seu máximo, e como a internet é algo ainda não muito popularizado há esperança de que isso aconteça. Mas não creio que os trabalhos mais experimentais dessa época encontrassem outra ressonância de público. Reconhecimento crítico eles tiveram sim, mas com ressalvas: numa entrevista me lembro do Arrigo ter falado que nem os críticos que falavam bem de seu trabalho o ouviam... A bibliografia musical ainda é incipiente, se formos compará-la à amplitude e à diversidade da produção. Também pela oportuna atualidade de alguns desses trabalhos, é possível um novo ciclo de interesses. Pelo que foi divulgado, parece que toda obra do Itamar está para ser relançada em formato digital, numa mesma caixa. Oxalá esse tipo de iniciativa ajude a promover outros compositores, intérpretes e álbuns seminais dessa e de outras épocas. Isso seria um enorme feito à memória musical.

O cantor e compositor Itamar Assumpção teve sua arte ofuscada pela sua biografia atribulada e bastante sui generis. Até que ponto o vício de classificá-lo como um compositor dito marginal (como aconteceu com Jardes Macalé, Jorge Mautner e Luís Melodia), imposto pela indústria cultural, atrapalhou a melhor compreensão de seu trabalho?

Ele deu nova e impactante roupagem ao malandro clássico delineado nos sambas, com o personagem Beleléu, forjou-se marginal urbano entre marginalizados – ali, por opção, além, “sobrevivente”. Não por acaso, o título do seu primeiro trabalho, Beleléu, Leléu, Eu, gravado em 1980, desconstrói o nome do personagem, apontando sua agressiva modernidade e uma fratura evidente – o alter ego capaz de expiar as dores de nascer negro e pobre em um país mestiço onde o preconceito é velado até mesmo aos pés descalços do redentor. Após desconsertar a fisionomia da música negra daqui, Itamar enveredou por searas menos inóspitas mas não demasiadamente hospitaleiras – ou, como ele mesmo disse, na música homônima à canção tropicalista, Baby: “duvido que me chamem pra sentar naquela mesa, e a grande família já não é tão grande”. Apesar de não o terem convidado para o banquete dos escolhidos, não tem como, sua arte jamais passará em brancas nuvens por esse céu de cor indefinível, outrora mítico. Maldito, amaldiçoado, nego dito, a música de Itamar jamais será proscrita. Com alguns poréns – popular pelo ritmo e pela dicção, difícil pela ótica e pela órbita cafuza de sua musicalidade cheia de breques e silêncios.

Há resquícios na cena musical brasileira do que já vinha sendo desenvolvido por Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção?

Não diria que há trabalhos comprometidos absolutamente com suas estéticas, demasiadamente autorais e intransferíveis, essa busca de originalidade deveria nortear todo o trabalho criativo, pena sabermos não ser assim a realidade da maioria... No trabalho da banda paulistana Dona Zica - onde atuam Anelis, filha de Itamar Assumpção, Iara Rennó, filha de Alzira Espíndola, que por sua vez foi parceira dele, e Gustavo Ruiz, filho de Luiz Chagas, guitarrista da banda Isca de Polícia, de Itamar... - há um iminente parentesco com o trabalho do finado compositor paulista. Algo um pouco menos evidente no som do Nhocuné Soul, também de sampa, faz essa ponte. B Negão, rapper carioca, declarou-se muito ligado às tramas sonoras do Nego Dito. Já Arrigo, que mais recentemente tem se voltado à produção de música escrita, não deixou muitos herdeiros. A banda gaúcha Graforréia Xilarmônica, que mescla sonoridade da jovem guarda ao dodecafonismo, reconhece essa influência entre outras. Agora, é importante e urgente que se conheça o trabalho da Patife Band, do Paulo Barnabé, irmão do Arrigo, que mesmo sem ter uma ampla discografia, apenas dois LPs lançados em 20 anos, é o mais bem acabado exemplo da contundência estética do irmão mais conhecido. Segundo Arrigo, Paulinho, como é chamado, foi mentor do tipo de som que fez, nos anos 80, uma fusão entre a música popular urbana e a música erudita contemporânea. Em tempo, Paulo também foi parceiro de Itamar Assumpção desde Londrina, e integrante da primeira formação da banda Isca de Polícia.

-Quais seus planos para o futuro?
- Estou ainda divulgando meu livro, tramando um novo e bolando um projeto para levar finalmente às telas essa pesquisa que, como foi dito anteriormente, nasceu com esse propósito.

* O teatro Lira Paulistana, sediado num porão que comportava cerca de 200 pessoas, localizado no bairro de Pinheiros, zona oeste da capital paulista, foi inaugurado em 1979. Até 1986, ano de seu fechamento, abrigou, além de memoráveis shows de Almir Sater, Tetê Espíndola e etc – também uma embrionária cena underground, onde figuraram nomes como Ultraje a Rigor e Titãs -, um selo de grande importância para a divulgação musical independente, lançando trabalhos de Itamar Assumpção, Rumo, Premeditando o Breque (Premê), Grupo Um, Língua de Trapo, entre muitos outros.

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