Acreditem: música não é pose ou condicionamento. Dentro dela há guerras. Dilúvios de rosas e espinhos. Daí a pergunta: é possível criar um produto açucaradamente acessível e com conteúdo para o grande público? A resposta é: sim.
Sei que a frase acima pode conter qualquer coisa de inocente ou pueril, mas é uma verdade. Pelo menos para um cara que ainda consome Cd´s (vixe, Maria!), que ouve, que respira música todos os dias. A prova dos nove são os lançamentos dos medalhões de Erasmo Carlos e Lobão.
“Erasmo Convida II” (Indie Records) e “Acústico MTV - Lobão” (Sony/BMG) chegaram às lojas recentemente. São registros de dois roqueiros veteranos de gerações distintas que preferiam subverter as fórmulas consagradas do sucesso fácil, apostando em forças criadoras charmosas, saneadoras de novas pulsões de vida, fazendo brilhar novamente repertórios saborosos.
Os amigos
No caso do “Tremendão”, ele volta com novas sacadas sonoras, mostrando parte do repertório criado a quatro mãos com o amigo e parceiro Roberto Carlos. Uma compilação de sucessos no qual o artista propõe duetos com feras do naipe de Milton Nascimento, Simone, Djavan e Chico Buarque, passando por Marisa Monte, Kid Abelha, até chegar em novos pimpolhos crescidos, como é o caso dos Los Hermanos.
Está é a segunda parte de uma longa história que começa em 1981, quando nosso cantor e compositor carioca, inebriado quem sabe por alguma iluminação divina, decidiu se enfurnar em um estúdio de sua gravadora na época, a então Philips, com uma plêiade de 12 nomes consagrados e estreantes, realizando um dos mais belos discos daquela década perdida, “Erasmo Convida ...”.
Erasmo propunha encontros para interpretações cheias de vibrações, que fariam qualquer mortal levitar. Bastaria lembrar de sua voz colada à de Gal Costa, mandando super bem no conhecido prefixo da dupla, “Detalhes” (1970). Valia tudo. Até mesmo ele e Tim Maia transformando “Além de Horizonte” (1974) num quase sambinha. Sem falar na comoção que é (re) ouvir Maria Bethânia com sua voz a encher de mais malícia erótica de “Cavalgada” (1977).
Retomando o fio da meada
Quase três décadas depois, Erasmo retoma o fio da meada que separa um projeto do outro, sem perder o viço, a verve roqueira, o entusiasmo latente que exala de seus trabalhos. Enquanto Mr. Roberto Carlos se perde em discos medianos ou mesmo em processos judiciais estúpidos, movidos contra uma honesta e séria história escrita sobre sua vida, a despeito de preservar a auto-imagem de mito que julga ter – seu parceiro desponta na frente. Pretende continuar a fazer uma nova canção que contenha algo de belo simplesmente. O que já não é pouco.
Retomando o fio da meada
Quase três décadas depois, Erasmo retoma o fio da meada que separa um projeto do outro, sem perder o viço, a verve roqueira, o entusiasmo latente que exala de seus trabalhos. Enquanto Mr. Roberto Carlos se perde em discos medianos ou mesmo em processos judiciais estúpidos, movidos contra uma honesta e séria história escrita sobre sua vida, a despeito de preservar a auto-imagem de mito que julga ter – seu parceiro desponta na frente. Pretende continuar a fazer uma nova canção que contenha algo de belo simplesmente. O que já não é pouco.
O ecletismo ganha espaço em “Erasmo Convida II”. Vide o time de arranjadores que compõem o novo projeto: Vitor Santos, Rildo Hora, Nivaldo Ornelas, Luis Cláudio Ramos, Dadi, Domenico e Kassin.
A bolachinha prateada começa a rodar acompanhada pelo balanço de Lulu Santos em “Coqueiro Verde” (1971). Lado B do repertório do artista, feita em homenagem a sua futura esposa, a letra vem carregada pela maresia do período. “Em frente ao coqueiro verde/Esperei uma eternidade/Já fumei um cigarro e meio/E Narinha não veio”.
Na mesma linhagem de seu repertorio menos conhecido chegam “Banda dos Contentes” (1976), com Skank, “Tema de não quero ver você triste” (1965), com Marisa Monte e “Pão de Açúcar” (Sugar Loaf) (1982). Ressalva-se ainda a memorável canja do grupo Los Hermanos, esbanjando talento na lírica e pesadona “Sábado Morto” (1972). Aqui descobrimos o motivo de Rodrigo Amarante ser Rodrigo Amarante.
Tem ainda Kid Abelha dando uma sutil roupagem para uma das letras mais lindas em nosso cancioneiro, a impactante “O Portão” (1974), sem falar na audaciosa e bem humorada versão de “Imoral, Ilegal ou Engorda” (1976), com Adriana Calcanhoto, e “Cama e Mesa”, que vira um samba maroto na voz de Zeca Pagodinho. Resta-nos relaxar e gozar.
Devorando chapeuzinho vermelho
Poucos artistas viveram ou espelharam tanta contradição como Lobão ao longo das últimas décadas na música nacional. Irrequieto, brigão, polêmico, avesso ao conformismo, fez das tripas coração para sempre ir até as últimas conseqüências por tudo àquilo que acreditou.
Depois de um homérico (oito anos!) bate-boca com as gravadoras, três Cd´s lançados de forma independente, “Noite” (1998) e “A Vida é Doce” (1999) e “Canções Dentro da Noite Escura” (2005), nosso roqueiro quase cinquentão chega agora com este “Acústico MTV”.
Produzido pelo experiente Carlos Eduardo Miranda, o álbum foi gravado em dezembro do ano passado no Novos Estúdios, na capital paulista. Os cenários trazem a assinatura de Zé Carratu. Gigantescas molduras em estilo clássico, mas sem qualquer imagem ou pintura, dialogam em forma e conteúdo com o trabalho.
Lobão apresenta um timaço de músicos para sua festinha particular: Edu Bologna e Luce (violões), Daniel (baixo), Roberto Pollo (teclados), Pedro Garcia (bateria) e Stephane San Juan (percussão).
Chutando a porta
Já nos primeiros acordes de “El Desdichado II”, por exemplo, é como se toda a crueza existencial de sua lira, tomasse de assalto o castelo do reino encantado e comportado da MTV. “Eu sou o tenebroso (...)/ o abandono, o inconsolado,/ o sol negro da melancolia (...) o exu, o anjo, o rei/ o samba-sem-canção/(...)”. Mas nada exemplifica mais do um estado de espírito que o verso: “Eu sou a contramão da contradição”. Puro colírio para os do público.
O velho lobo tira da cartola outros achados de seu universo paralelo: “A Vida é doce” (lindíssima!), Vou te levar” (baladona que estourou em FM’ s ditas “piratas” do País) e “Você e a noite escura”. Pipocam outros achados como “Quente” (resguardada pelo acompanhamento sutil de um quinteto de cordas) e “A gente vão se amar” (com a banda Cachorro Grande). No clima vale a pena ver de novo reaparecem “Bambino”, (do repertório dos Ronaldos, lembra?), e “O Mistério” (da fase Vimana).
Lobão está a vontade. Solta o vozeirão gritado, malandrão, carioquíssimo, uivando para o público chapado. Ele hipnotiza a platéia entre um hit e outro, mandando seu recado honestamente. “Me Chama”, “Por Tudo que For”, “Noite e Dia”, “Canos Silenciosos” “Blá..Blá..Blá..Eu Te Amo (Rádio Blá)” provam que sua música ficou melhor com o passar do tempo.
A versão arrasa-quarteirão de “Corações Psicodélicos” termina por coroar de louros a legitimada vocação pop de Lobão (“Ainda me lembro daquele beijo spank punk violento/Iluminando o céu cinzento, eu quero você inteira”). Que se cuidem as donzelas e carneirinhos de plantão, pois ele continua mais solto do que nunca.