sexta-feira, 27 de julho de 2007

Toda Poderosa


Foi ele, só podia ser ele, o grande produtor Aloysio de Oliveira, quem preconizou certa vez a respeito de uma das mais importantes intérpretes da música nacional. “Existem poucos artistas que possuem a terceira dimensão. A terceira dimensão é uma força de personalidade que permite ao artista hipnotizar o público. Maysa tem essa força”. A frase, eternizada na contracapa daquele antológico álbum do mito, gravado em 1964, hoje parece soar como mais um lugar comum.

No entanto, as aparências enganam. Maysa (1936-1977), cantora e compositora carioca, responsável pela criação de verdadeiros hinos da dor-de-cotovelo, tais como “Ouça” e “Meu mundo caiu”, resiste além dos rótulos. São muitas as suas faces. Doce e amarga. Áspera e suave. Mutante. Visceralmente única e eterna.

Todas elas se enredam em “Maysa - Só numa multidão de amores” (Editora Globo), biografia escrita pelo jornalista Lira Neto, que procurou, de forma inédita, aproximar os leitores da complexa e escancarada trajetória da mulher que marcou com seu talento e personalidade pelo menos três décadas da canção e da sociedade brasileira.

Uma história de rotas transversais que se entrecruzam tanto por inferninhos escuros, enuviados pela fumaça de cigarros e doses cavalares de whisk e almas perdidas, quanto pela pré-história de uma mídia cada vez mais sedenta e voraz por escândalos e manchetes sensacionalistas. Paralelas que, entre outras, vão dar em alucinantes e emocionados momentos musicais, criadores, etílicos e sentimentais protagonizados por Maysa.

Na construção de seu livro, Lira Neto partiu de pesquisas em arquivos familiares, entrevistas com cerca de 200 pessoas, entre parentes, amigos, ex-namorados, músicos e produtores, para chegar ao resultado final de seu trabalho. Empreitada de fôlego que levou o jornalista a ter acesso aos diários íntimos de Maysa, graças à generosidade do filho da cantora, o diretor de cinema e televisão, Jayme Monjardim.

De sua casa em São Paulo, ele nos concedeu uma entrevista exclusiva por e-mail na semana passada. Uma conversa agradável repleta de verve, conteúdo e beleza. Dessas que deixam a gente com o coração na mão de tanta alegria, como se ouvíssemos o canto estelar da musa intrépida. Divirtam-se!

- Como surgiu a idéia de escrever o livro?
-Todo biógrafo sonha em escrever um livro sobre um personagem como Maysa: alguém que viveu de modo intenso, que mergulhou na vida sem rede de proteção. Assim, biografar Maysa era um sonho antigo. Contudo, sabia que vários colegas jornalistas já haviam tentado – sem sucesso - abordar seu único filho, o diretor de cinema e televisão Jayme Monjardim, para ter acesso aos "baús" da cantora e compositora. Tive, felizmente, mais sorte. Um amigo em comum, o escritor Fernando Morais, fez a mediação entre nós e, assim, Jayme concordou em confiar-me o precioso acervo familiar.

-A narrativa se inicia com uma linguagem alucinante, reconstituindo a segunda tentativa frustrada de suicídio de Maysa. Foi uma forma de pegar o leitor pelo colarinho e colocá-lo diante da biografada?
-Um bom livro tem que fisgar o leitor desde a primeira linha. Em vez de começar de forma burocrática, com algo do tipo "Fulano de Tal nasceu na cidade x, no dia y de dezembro de mil novecentos e não sei quanto", é preciso transportar os leitores imediatamente para dentro de uma cena, na qual se apresente o personagem de forma atraente e carregada de impacto. Para tanto, no caso de uma biografia, isso só é possível por meio de uma pesquisa apurada, detalhista. O acesso aos diários de Maysa foi fundamental para isso.

- Maysa desenvolveu uma relação complexa com a imprensa e seu público, misturando momentos de atração e repulsa. Para você, ela pode ser um dos expoentes deste fenômeno tão conhecido no mundo contemporâneo, quando o artista passa a ser utilizado pela mídia e vice-versa?
- Maysa foi, talvez, a primeira artista brasileira a ser alvo e artífice deste fenômeno tão contemporâneo que é a construção midiática de uma celebridade. Nenhuma outra personalidade do mundo artístico nacional havia, até então, tido a vida mais devassada pela imprensa do que ela. Ao mesmo tempo, ninguém soube tirar maior proveito disso do que a própria Maysa. Tudo que fazia ou dizia virava notícia. Tinha um talento extraordinário, uma voz singular, mas muito de seu sucesso advinha também de sua capacidade de gerar fatos para o apetite dos jornalistas à caça de escândalos e fofocas. Ela tinha absoluta consciência disso. Tanto que guardou cada linha que se publicou sobre ela – falassem bem ou falassem mal - ao longo de sua carreira.


-Você teve acesso irrestrito aos diários íntimos da cantora e compositora. Como conseguiu esta façanha? Houve alguma restrição por parte de seus familiares?
- Nesse aspecto, tive o cenário ideal para um biógrafo: acesso total ao acervo da família e, ao mesmo tempo, liberdade completa para escrever sobre tudo aquilo que eu apurasse durante a pesquisa. Desde o início, sabia que não faria sentido nenhum fazer uma biografia em que Maysa fosse retratada de forma rósea e idealizada. O livro tinha a obrigação de ser fiel ao mesmo espírito de liberdade que norteou a existência de uma pessoa transgressora como Maysa.

- Em alguns momentos temos a impressão de que Maysa sabia perfeitamente que entraria para a história da MPB, não só pelo talento nato, mas pela sua vida tresloucada, que andava junto com sua arte. A construção do mito em torno dela parece moldada com o cuidado de um detalhista. Concorda com esta afirmativa?
- Maysa tinha um inegável senso de posteridade. O fato de ter escrito diários e ter guardado uma montanha de recortes de jornais e revistas demonstra isso com clareza. Mas ela não fazia disso – o que você chama de "construção do mito" - algo tão deliberado assim. Ela não era, de modo algum, uma pessoa racional e calculista. Ao contrário: era absolutamente espontânea, intuitiva. O que ela tinha de diferente era uma inteligência aguda, uma sensibilidade muito acima da média, uma certeza de que, além de excelente cantora, era também uma mulher muito à frente de sua época. Mas não vivia de forma tresloucada para moldar uma imagem pública baseada na transgressão. Longe disso. Na verdade, ela era a mais perfeita tradução dessa própria transgressão. Nela, nada era forçado, artificial, fabricado. Apenas queria viver e cantar aquilo que acreditava, a despeito de sempre ter pago um preço alto demais por isso.

- Na orelha do volume, Ruy Castro escreveu uma verdade inconteste, a de que Maysa, a despeito de sua luta pela felicidade e seu talento, foi vítima de inimigos invencíveis, como o preconceito, a ignorância e a fatalidade. De alguma forma, eles continuam a fazer vítimas dentro e fora da música?
- Infelizmente, não vejo mais tanta gente, no cenário artístico brasileiro, que encarne a mesma verdade e a mesma autenticidade que eram tão típicas de Maysa. Hoje vivemos o império do politicamente correto, a síndrome do bom-mocismo. É uma era de celebridades instantâneas e plastificadas, de talentos pasteurizados. Almas radicais como Maysa são cada vez mais raras.


- Qual tem sido a resposta do público diante do trabalho?
- Felizmente, a melhor possível. Dois meses após o lançamento, já foram feitas quatro tiragens do livro. Um sinal inequívoco de que Maysa – tanto em sua música quanto em sua atitude - continua atualíssima.

- A proibição judicial da comercialização da biografia "Roberto Carlos em Detalhes", do jornalista Paulo César de Araújo, reacendeu o debate em torno do direito de expressão no Brasil. Qual é o seu posicionamento diante deste caso?
- O caso da proibição da biografia de Roberto Carlos significa um atroz obscurantismo. Sou radicalmente contra tirar livros de circulação para transformá-los em papel reciclado. Se Roberto se ofendeu com algo que por acaso leu, que processasse o autor. Ele tinha esse direito. Mas retirar os exemplares das prateleiras das livrarias é uma espécie ostensiva de censura. Mas o que mais temo nessa história toda é o efeito que o episódio possa vir a produzir no mercado editorial. Pior do que a censura institucionalizada é a autocensura.

- Você poderia adiantar quais são os seus planos para o futuro?
Tenho alguns novos projetos na fila, mas prefiro não revelá-los, por enquanto. Primeiro quero conseguir acesso a documentos exclusivos, que irão alimentar meu próximo livro. Nos próximos meses, direi do que se trata. Mas ainda é segredo.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

As maravilhas das Geraes



Vem das Geraes, de suas montanhas, de sua terra, de seu povo, todo este encantamento misterioso, que teima em se fazer arte. Festa. Celebração. Alegria. Seja na literatura (salve, salve Carlos Drummond de Andrade e Pedro Nava!), no cinema (alô, alô Humberto Mauro!), nos quadrinhos (diz aí Ziraldo, Henfil & Cia), na política (Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves), não importa, Minas continua comendo pela beiradas.

Quando o assunto é música, não é diferente. Prova disso é a enxurrada de DVD's que mostram a riqueza cultural de Minas Geraes. Quatro grandes lançamentos, Wagner Tiso, os grupos 14 Bis e Uakti e o documentário "Violões de Minas", amplificam as belezas e os mistérios dos sons produzidos no Estado.


É o que vocês conferem abaixo,










Simplicidade e Sofisticação



Wagner Tiso dispensa apresentações. Compositor, orquestrador, pianista e regente, ele representa hoje um dos maiores ícones da música brasileira. Para marcar a festa de seus 60 anos de vida, 45 de profissão, ele decidiu lançar um DVD histórico.

Gravado em dezembro de 2005, o show traz Wagner à frente da Orquestra Petrobrás Sinfônica junto de convidados especialíssimos: Milton Nascimento, Gal Costa, Cauby Peixoto, Paulo Moura, Grupo Uakti, Tizumba, Nivaldo Ornellas, Robertinho Silva, Toninho Horta e Guarda de Moçambique do Divino.

A apresentação é um passeio pelos sons de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, da Espanha e dos caminhos de Zegreb. Uma musicalidade que mistura os sons criados pelos ciganos, as congadas mineiras, o rock, a canção brasileira, as trilhas de cinema e as suítes para grandes orquestras.

O DVD registra depoimentos dos artistas e da família. Em alguns trechos, Wagner revisita seu passado. Por detrás de seus olhos descortina-se o jovem talentoso que se aventurou pelo Rio de Janeiro com sua pequena mala de roupas e pertences à tira-colo, dormindo em ruas, ao mesmo tempo em tocava nas míticas boates daquela Copacabana luminosa.

Dividido em cinco eixos temáticos, “O olhar mineiro sobre o Rio”, “O olhar do Rio para Minas”, “O olhar mineiro revê Minas”, “O olhar mineiro vê o mundo” e “O mundo olha Minas”, o espetáculo combina simplicidade e sofisticação que sempre moveram a vida artística de Wagner Tiso. Emocionante.

Invenção e Memória


Marco Antonio Guimarães, Artur Andrés Ribeiro, Paulo Sérgio Santos e Décio Ramos, o grupo Uakti, é outro símbolo da mineiridade contemporânea. Os caras chegaram como uma experiência estética, visual e sonora em 1978 e não pararam mais. O nome conjunto de música instrumental se origina de uma lenda dos índios Tukano.

Capitaneados pelo arranjador e compositor Marco Antonio Guimarães, mestre na arte de criar instrumentos de PVC, madeira, metais e vidros, os integrantes criaram uma identidade própria. Foram e continuam a ser destaque em trabalhos de outros artistas: Milton Nascimento, Paul Simon, Ney Matogrosso, Zélia Duncan, entre outros.

O grupo é marcado por um estilo composto de estruturas rítmicas complexas. A melodia e a harmonia são forjadas de forma a aproveitar as características de execução do instrumental. Técnicas composicionais contemporâneas se misturam ao som dos instrumentos, emprestando ao conjunto um caráter primitivo à música do grupo.

“Uakti”, DVD gravado no Palácio das Artes em setembro de 2006, registra o primeiro trabalho do gênero do conjunto. São momentos de puro experimentalismo e beleza. Tudo costurado pela idéia da roda, símbolo imagético pulsante, girando, unindo o passado e o presente do homem.

Como também nosso futuro. Vale a pena conferir o minimalismo de “Música para um Antigo Templo Grego” (Artur Andrés Ribeiro) e “Ovo da Serpente” (Marco Antonio Guimarães). Caso você esteja cansado ouvir versões pasteurizadas de “Trenzinho Caipira” (Heitor Villa Lobos) e “Arrumação” (Elomar Figueira de Melo), por exemplo, corra até a loja e veja que há vida inteligente pulsando dentro da música nacional.

Rock das Alterosas


A história do rock mineiro se viu vingada recentemente com o lançamento merecido do DVD “14 Bis Ao Vivo”. Empreitada está protagonizada pela banda de Sérgio Magrão (baixo), Cláudio Venturini, Vermelho (teclados) e Hely (bateria), que chegam pela primeira vez ao formato para marcar os seus 25 anos de estrada.

Gravado no Palácio das Artes, na capital mineira, em dezembro do ano passado, o show celebra momentos marcantes da carreira do 14 Bis. Há participações especiais de amigos, instrumentistas e cantores, tais como Beto Guedes (Caçador de Mim), Rogério Flausino (Jquest – Planeta Sonho), Marcus Vianna (violino – 14 Bis Instrumental e Mesmo de Brincadeira) e Flávio Venturini (co-fundador da banda – Planeta Sonho e Uma Velha Canção Rock’and Roll).

O repertório apresenta todas as influências que moldaram o som da banda: música mineira, Clube da Esquina, música erudita, instrumental e progressiva, Beatles, rock’ and roll, vocais elaborados, harmonias ricas e ritmos variados. Há ainda a participação de um Quarteto de Cordas.

Fiquem tranqüilos, pois aquelas canções que não podem faltar em qualquer show da banda tem presença garantida. “Espanhola”, “Natural” e “Nave de Prata” são algumas delas. Só faltou mesmo um cafezinho e bom um pão de queijo para acompanhar. O que é pedir muito, né?

Acordes Dinossantes



A trajetória do violão em Minas Gerais, dos seus primórdios no século XX, até os dias atuais. Eis o fio condutor criado pelo produtor e violonista Geraldo Vianna em seu documentário “Violões de Minas”, filmado em formato de DVD, com 101 minutos de duração.

O documentário conduz o telespectador pela paisagem de Minas e suas histórias, apresentando ainda depoimentos e a musica de renomados violonistas do Estado: José Lucena, Fernando Araújo, Theodomiro Goulart, Chiquito Braga, Toninho Horta, Juarez Moreira, Beto Lopes, Wilson Lopes, Gilvan de Oliveira, Weber Lopes e Aliéksey Vianna.

No elenco de feras, constam ainda importantes personagens ligados ao universo do instrumento, como o historiador Renato Sampaio, o grande conhecedor do violão mineiro, José Pascoal Guimarães, do luthier Vergílio Lima e Dirceu Cheib, dono do Estúdio Bemol, precursor da gravação de discos em Minas Gerais.

Geraldo Vianna uniu o tom didático sobre o tema com performances musicais ousadas. Preste atenção nos enquadramentos e na paisagem urbana da cidade de Belo Horizonte, onde quase todo o documentário se passa. Sem contar o poema escrito e narrado pelo compositor Fernando Brant, que abre e fecha toda a narrativa, que se passa em um único dia.

Desde já, obra essencial para quem quiser entender porque o violão mineiro marcou época, deixando suas marcas na música nacional.

terça-feira, 17 de julho de 2007

A Todo Vapor



A rigor, o que dizer de uma época que juntou o espírito festivo das discotecas e o braço armado da ditadura militar então já mais do que estabelecida? A imagem kitsh do apresentador Flávio Cavalcante e a sensualidade abusada de Sonia Braga? O rock tropical dos Secos & Molhados e o ufanismo declarado da dupla de cantores e compositores Dom & Ravel?

Pois é bicho, estes e tantos outros contrários da década de 70 estão de volta através de dois novos livros de Ana Maria Bahiana: “Almanaque dos Anos 70” e “Nada Será Como Antes – MPB nos Anos 70”. Jornalista e escritora de responsa, ela abriu o baú de um dos períodos mais ricos da vida brasileira. Trata-se, sobretudo, de dois olhares distintos e individuais. Não há ranço saudosista, mas sim objetividade na abordagem dos assuntos.

Fartamente ilustrado, “Almanaque Anos 70” apresenta uma visão panorâmica da época através de oito temas : ícones, estilo, música, verbo artes & manhas, curtição, esporte e mídia. Um ampla e suada pesquisa, levou autora a construir todo o imaginário daquele momento de transformações e que tantas marcas deixou em diversas áreas do País.

No caso de “Nada Será Como Antes”, trata-se de um apanhado de reportagens que Ana Maria havia produzido para jornais e revistas do período. Lançado pela primeira vez em 1979, este clássico do jornalismo musical brasileiro volta à baila inteiramente repaginado. O volume traz novidades, como anotações, a carta-prefácio do jornalista Arthur Dapieve e um capítulo com textos inéditos e censurados, chamado “Do fundo do baú”.

Carioca da gema e movida à música, cinema, literatura e o que pintar pela frente, Ana Maria é um dos ícones do jornalismo cultural no Brasil. Uma carreira que cobre três décadas de reportagens e comentários sobre a cultura no Brasil e no exterior, em imprensa, rádio, televisão e internet.

Seu brilhantismo a levou ocupar lugar de destaque em redações dos principais veículos informativos nacionais: Jornal do Brasil, O Globo, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Opinião e Rolling Stone. Foi assim também nos Estados Unidos (New York Times, Syndicate, Escape e Beat), Austrália (Lê Film Français, Follow Me, HQ e Cinema Papers). De 1992 a 1995 foi ainda responsável pelo escritório de Los Angeles da revista inglesa Screen International.
Segue abaixo um bate-papo realizado com a “mestra” Ana Maria nas últimas semanas através de e-mail. Uma conversa informal em que ela fala, entre outros temas, de alguns momentos da carreira, da cena musical recente no Brasil e sua incursão pelo Cinema.

- Com se deu à idéia de escrever “Almanaque dos Anos 70” e relançar “Nada Será Como Antes – MPB nos Anos 70”?
- Uma na verdade não teve a ver com a outra.... Estava conversando com a Senac há muito tempo sobre o relançamento do “Nada...” quando a Ediouro me propos o Almanaque. O meu trabalho na reedição do “Nada” terminou quase um ano antes do Almanaque _ foi pura coincidencia os dois terem saído tão perto um do outro. A minha vontade de reeditar o “Nada” era de dar uma nova leitura àquele material, que há muito tempo estava fora d corculação.

- “Nada Será Como Antes” é um marco de nossa bibliografia pop musical e comportamental. Seus textos, embora aparentemente datados, conservam um frescor pouco comum nestes tipos de textos jornalísticos, escritos, muitas vezes, no calor da hora. Como você conseguiu chegar a este resultado?
- Não tenho muita noção, não. Talvez porque eles fossem intensamente vividos, e creio que as coisas vividas preservam essa energia, que as torna sempre presentes.

- “Almanaque dos Anos 70” é um dos grandes sucessos editorias do Brasil nos últimos anos. Esta acolhida do público lhe surpreendeu?
Um pouco. Esperava uma boa reação, mas foi muito maior que o esperado. Fico super feliz porque, entre outras coisas, indica que consegui falar com um outro público, ou com vários públicos, independente de idade.

- Para muitos, a década de 70 foi um período sombrio e inexpressivo, até mesmo cafona, seja no modo de se vestir ou de se expressar artisticamente. Você acredita que os livros contribuem para rever todos estes pontos de vista, revelando outras facetas deste momento brasileiro?

-Creio que sim. Quanto mais completo o olhar, melhor!

- Como foi fazer parte da equipe que compôs as 36 edições (foi o que durou, né?) da primeira versão brasileira da revista “Rolling Stone”, um dos publicações-símbolo do pop/rock, nos anos 70? O que achou da nova versão, lançada há menos de um ano?
-Acho uma boa revista. É algo complemente diferente do projeto e metas da original, mas os tempos são outros e a própria RS é outra.

- Você costuma acompanhar o jornalismo cultural feito hoje no país? Qual a sua visão dele neste momento? Alguma coisa se perdeu pelo caminho ou houve evoluções consideráveis ao longo das últimas décadas?
- Preferia não responder esta pergunta. Acho que não tenho todos os elementos necessários.

- Novas mídias e seus suportes avançados tem provocado uma transformação acelerada no modo de produzir e consumir música no mundo. Como fiel defensora do bom e velho MP3, por exemplo, como se posiciona diante destes fenômenos tecnológicos?
- Enquanto estiverem a serviço da criatividade humana, estou navegando por essas ondas etéreas. Sou daquelas que adora uma novidade... ouço falar, vou conferir.

- Você tem acompanhado a cena roqueira/pop/mpb brasileira? Poderia destacar algum (s) nome (s)?
Gosto de Céu, Cibelle, Celso Fonseca, Bebel Gilberto. Mas na verdade tenho ouvido mais coisas muito antigas, ou então de super-raiz.

- Sua incursão pelo cinema aconteceu no ano, com o lançamento do de “1972”, filme no qual você foi co-produtora e roteirista. Há planos de sua para mergulhar novamente pelo universo da 7ª Arte?
- Com toda certeza. Com o projeto certo e as pessoas certas, estou dentro.

sábado, 7 de julho de 2007

O samba conquista a terra dos samurais



Ele poderia passar desapercebido nas ruas de qualquer cidade brasileira. O japonês Katsunori Tanaka, 47 anos, pode ser reconhecido pelos traços orientais, a bermuda e a camiseta despojadona, pulando de um botequim e outro, sempre com um copo de chopp numa das mãos.

Até aí tudo bem. Mas se de repente, como alguém que não quer nada, ele começasse a cantar um sambinha esperto? Sambinha? Sim, o cara é uma das maiores autoridades no assunto em seu país de origem.

Tanaka parece ter saído de um livro de contos de fada. O ex-cozinheiro de origem humilde travou seu primeiro contato com o gênero em 1978, numa loja de discos de Tókio, quando passou a colecionar bolachões de gente graduada: Cartola, Martinho da Vila, Beth Carvalho, entre outros.

Enfeitiçado pelos sons e a poesia de grandes mestres dos morros e Escolas de Samba do Rio de Janeiro, Tanaka, de fã incondicional passou a produtor de discos do gênero. Uma fase febril de sua vida que durou cinco longos anos (1986 a 1991).

Tempo suficiente pare deixar registrado 12 tesouros musicais no Brasil. Nove deles - “Doce Recordação” (Velha Guarda da Portela, 1986), “Peso na Balança” (Wilson Moreira, 1986), “Folhas Secas” (Guilherme de Brito, 1988), “Homenagem a Paulo da Portela” (Velha Guarda da Portela, 1989), “Mangueira Chegou”, (Velha Guarda, 1989), “A Voz do Samba” (Monarco, 1991) e “Resgate” (Cristina Buarque, 1994), ganham sua primeira versão digital no Brasil.

A gravadora Atração Fonográfica, responsável pelos lançamentos, ainda negocia com os herdeiros de alguns compositores das músicas dos discos para concluir o acerto dos direitos autorais.

Outras produções assinadas por Tanaka, como “Encanto da Paisagem” (Nelson Sargento) e “Okolofé” (Wilson Moreira), já estão sendo comercializados pela gravadora Rob Digital. Desfilam na avenida ainda “Velhas Companheiras (Monarco, Guilherme de Brito e Nelson Sargento) e “Uma História do Samba” (Monarco).

Amor & Conhecimento

Tanaka reconhece nesta aventura pelo gênero genuinamente brazuca uma forma de conhecimento, “O samba é uma música estrangeira que só conheci quando tinha 16 ou 17 anos de idade. Comecei a apreender Português só depois. Não era tão fácil entender direitinho essa música, por isso, foi uma grande experiência para mim fazer estes discos”, conclama de peito aberto nos encartes.

Num país dominado pelo carisma e o estilo clean da bossa nova, como é o caso do Japão (que o diga João Gilberto, Roberto Menescal e Marcos Valle) o produtor japonês almeja, sem muitas pretensões, propagar cada vez mais a malícia e o gingando do samba entre o público oriental.

Enquanto prepara novos lançamentos no Brasil, Tanaka encontrou um tempinho em sua agenda para bater um papo com nossa reportagem. Perguntas e respostas cruzaram o mar do Pacífico através de e-mail nas últimas semanas. O desejo era um só: desvendar um pouco da visão deste estrangeiro verdadeiramente apaixonado pela música produzida em solo brasileiro no último século XX. Arigato, Tanaka!

- Como começou a sua paixão pela Música Popular Brasileira, em especial, pelo samba?
- Foi em 76 ou 77. Existia uma pequena loja em Tóquio que começava a importar os discos brasileiros, que ninguém se interessava naquele tempo. Eu encontrei uns 30 discos brasileiros nessa loja, que devem ser os primeiros discos brasileiros que chegaram no Japão. Nesse 30 discos tinha o primeiro e segundo disco do Cartola (da gravadora Marcus Pereira). Comprei estes dois e gostei tanto que ouvi muitas vezes. Ouvindo (claro que, sem entender o português naquele tempo) fiquei querendo conhecer o Cartola pessoalmente. Comecei a juntar o dinheiro pra viajar ao Brasil, mas só consegui comprar a passagem no finalzinho de 80, logo depois que o Cartola morreu.

-Fale da sua atividade como produtor de discos no Japão, Indonésia, EUA, onde você vem desenvolvendo atividades ligadas ao chorinho.
- Acho que e difícil explicar sobre meus projetos da Indonésia. Fiquei muito interessado quando conheci um gênero da musica indonesa, chamado kroncong, que é o choro da Indonésia. Kroncong tem influência da música portuguesa, igual ao musica havaiana, que usa o instrumento bem parecido com o Cavaquinho Brasileiro etc... Aí surgiu uma idéia na minha cabeça, que foi um (re) encontro dos irmãos, o choro e kroncong. Este foi realizado quando produzi os discos da Waldjinah, que é a Elizeth Cardoso da Indonésia. Gravei umas musicas acompanhado por os músicos de kroncong e os chorões juntos. Foi uma maravilha.

- Os japoneses têm samba no pé?
- Tem gente que sabe, tem gente que não sabe, como todos os brasileiros não sabem sambar.

- Você acredita que o samba vem encontrando boa acolhida no mercado do japonês. Dá para competir com a bossa ou o gênero é algo para um público especifico?
- Nao. O samba não vendeu (e não vai vender) tanto como a bossa nova, que e uma coisa bem especial pra os japoneses. Tem gente que gosta de sambar no clube ou tem gente que gosta desfilar no carnaval, mas eles não ouvem tanto o disco. Quem ouve mais disco, é o bossanovista, como sempre.

- Há novidades suas para o mercado brasileiro?
- A gravadora Deckdisc está lançando um álbum duplo, chamado “Uma Historia do Choro”, que e meu novo trabalho. Ganhei o mais recente Prêmio Tim de Música com esse disco.

- Comente um pouco sobre estes sete Cd´s de samba que a gravadora Atração Musical está disponibilizando no Brasil.
- Pra mim os primeiros discos que produzi no Brasil são como se fossem meus filhos. Gastei tudo que tinha, sem ter esperança de ser recuperado, mas quis fazer. Não sei porque. Nunca fiquei tão maluco por musica na minha vida.

A bossa inteligente da moça



Alguém aí de vocês já deve ter ouvido pelo menos alguma vez na vida, seja dentro ou fora das pistas de dança, a mistura de bossa nova, MPB e música eletrônica que se espalhou pelo reino da música nos últimos anos.
A cantora Clara Moreno, 35 anos, flertou bem com esta cena, invadindo a área com três trabalhos bastante interessantes: “Clara Moreno” (1996), “Mutante” (2005) e “Morena Bossa Nova” (2005).

Filha da cantora e compositora Joyce e do compositor e violinista Nelson Ângelo, Clara, tentando se aproximar de uma musicalidade despojada, mas não menos sofisticada, nos presenteou com este seu “Meu Samba Torto” (gravadora Atração). Trabalho consistente de uma intérprete que tinha tudo para ser apenas mais um nome no hall deste país vocacionado a produzir ótimas e inesquecíveis cantoras, mas que inverte a matemática do jogo, com estilo.

Lançando também no Japão (Omogatoki) e Europa (Fat Out Recordings), o álbum de Clara traz participações especialíssimas do amigo, cantor e compositor Celso Fonseca, da “mami” Joyce e de seu padrasto Tuty Moreno na batera. A cozinha acústica se completa com Rodolfo Stroeter (baixo), Diogo Figueiredo (guitarra) e Ricardo Mosca (bateria).

O repertório é uma espiral de canções inéditas e outras eternizadas pelo tempo que desembocam na sutileza das interpretações da cantora. Em ritmo crescente, pisa-se, por exemplo, na areia molhada das carioquíssimas “Meu samba é torto” (Celso Fonseca) e “Litorânea” (Celso Fonseca/Rodolfo Stroiter).

De quebra, o ouvinte leva para casa a inédita “Sabe quem” (Joyce e Zé Renato), a sincopada “Sei lá” (Nelson Ângelo) e “Ela vai pro mar”, cujos versos fazem lembrar uma pequena seqüência cinematográfica.

Abusada e audaciosa, Clara rende-se aos encantos de dois clássicos internacionais, a francesinha “Mon manege a moi” (Norbert Glanterg/Jean Constantin) e a americana “Tenderly” (Walter Gross/ Jack Lawrence).

De volta ao ziriguidum nacional, ela vai de “Se acaso você chegasse” (Lupicínio Rodrigues/Felisberto Martins), “Bahia com H” (Denis Brean), “Rosa de ouro” (Elton Medeiros/Hermínio Bello de Carvalho/Paulinho da Viola), “Morena boca de ouro” (Ary Barroso), “Copacabana” (João de barro/Alberto Ribeiro), “Moça Flor (Durval Ferreira/Lula Freire) e o sambalanço de “Vem Morena Vem” (Jorge Ben).

“Meu Samba é Torto’ não chega a ser extraordinário, mas ajuda a manter vivas, por meio de sua intenção e musicalidade, um punhado de canções que merecem ser ouvidas e apreciadas. Vale a pena conferir.