segunda-feira, 30 de abril de 2007

Biografia do Rei Sai de Circulação


Uma audiência pública ocorrida no Fórum Criminal da Barra Funda, na capital paulista, decidiu na última sexta-feira, dia 27, o destino da biografia "Roberto Carlos em Detalhes", escrita pelo historiador Paulo Sérgio Araújo e publicada pela Editora Planeta. Depois de um acordo firmado entre as partes, o livro terá sua publicação interrompida e seus exemplares recolhidos do mercado num prazo de 60 dias.

Segundo Norberto Flach, advogado do rei, o cantor abriu mão das indenizações. "O mais importante era fazer cessar a ofensa à intimidade e à vida privada dele, representada pelo fato de o livro estar em circulação", disse em entrevista ao Jornal Folha de São Paulo.

O processo foi encerrado depois que duas ações criminais e uma civil foram movidas pelos representantes legais do rei contra o autor e a editora. Nelas, a alegação de violação de privacidade, da intimidade familiar e de imagem de Roberto Carlos. Todo o estoque de 10. 700 exemplares do livro serão entregues ao cantor.
A Planeta informou que Paulo Sérgio Araújo propôs uma nova edição do livro, na qual seriam retirados os trechos que, segundo o cantor, se referem a sua intimidade. Ele também abriu mão de seus direitos autorais sobre a obra, assim, seu conteúdo continuaria à disposição do público.

Lagrímas

Paulo Sérgio Araújo deixou o Fórum da Barra Funda bastante emocionado após a decisão. Entre lágrimas, preferiu não se manifestar sobre o assunto.

Quem leu "Roberto Carlos em Detalhes", lançada em dezembro passado, sabe bem o que este gesto inconsolável de Paulo Sérgio simboliza não só para os fãs de Roberto Carlos, mas para a música brasileira. Uma tristeza verdadeira de quem trabalhou durante anos para construir um painel acurado, ainda que muitas vezes passional, sobre um dos legítimos renovadores da mpb.

Choramos todos.

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Sou o mundo, sou Minas Gerais


Milton Nascimento soltou sua voz negra pelas estradas do País e do mundo há quatro décadas. Foi em 1967, que aquele rapaz tímido e de violão em punho decolaria para uma carreira singular, entrecortada por sucessos, fracassos, desejos, parcerias, amizades e muita, muita vontade de alargar seu canto.

Desde então cruzaram no ar as chispas de sua rebelião musical, cegando, com a quentura de sua força humanística, os mais céticos dos homens, como “Clube da Esquina”, “Fé cega, Faca amolada”, “Morro velho”, “Maria, Maria”, “Fazenda”, “Tarde”, entre outros.
Mas afinal, como sondar uma personalidade tão marcante para toda a música do século XX? Foi essa a interrogação que se fez a jornalista belorizontina Maria Dolores, criada em Três Pontas, terra adotiva de Bituca.

Mais do que tudo era preciso tocar o homem, separá-lo do mito. Voltar as suas origens mais remotas. Sugar-lhe a seiva. Embriagar-se de sua obra repleta de sons, palavras e sangue. Ouvir histórias alegres, sombrias embaçadas pelas mãos de um tempo que parece nunca ter se extinguido.

Por isso, Maria Dolores se entregou a uma maratona de entrevistas com o próprio biografado, artistas, amigos e pessoas próximas. Sem sair ilesa desta viagem, ela decidiu torná-la pública, lançando o livro “Travessia – A Vida de Milton Nascimento” (Editora Record, 422 pág.), que chegou às livrarias no final do ano passado.

A obra traça o painel do menino de vida simples nascido no bairro fluminense da Tijuca, seu encontro com a música, a juventude nos bailes da vida em Três Pontas, as crises pessoais, as discriminações raciais que sofreu, a carreira consagrada no Brasil e no exterior, enfim, está tudo registrado lá.

Maria Dolores decidiu assim jogar luzes sobre fatos reveladores da vida e da obra do artista, sem, contudo, cair na fofoca pueril. Mais do que isso, ela optou por nos revelar os sincretismos de que são feitos a música de Bituca (mistura de jazz, blues, rock e música latina) e seus temas preferidos, Minas Gerais, a negritude, a amizade e o cristianismo.

O “Nada Será Como Antes” publica entrevista exclusiva com a autora, realizada via-mail, diretamente de sua casa, no bairro de Pinheiros, na capital paulista. Leia o texto na íntegra abaixo:

- Como surgiu a idéia de escrever o livro?
- Surgiu na faculdade. Eu fazia Comunicação Social (Habilitação Jornalismo) na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), em Belo Horizonte, quando me deparei com aquela situação de todo estudante: escolher um tema para o Trabalho de Conclusão de Curso. Eu queria fazer algo sobre Três Pontas, minha querida cidade, e acabei escolhendo fazer um livro reportagem sobre o personagem mais ilustre, o Milton Nascimento. Daí eu o encontrei um dia, por acaso, em Três Pontas, e pedi uma entrevista para o trabalho de escola. Ele concordou. Quando fui entrevistá-lo, seis meses depois, eu já havia feito bastante pesquisa e descoberto o quanto a história dele era linda, incrível, e que nunca tinha sido contada. Resolvi, com o ânimo e confiança comum aos estudantes, escrever a primeira biografia do Milton. E pedi mais entrevistas, ele concordou, na hora, sem fazer qualquer objeção.

- Sabe-se que você realizou um árduo processo de composição da obra, entrevistando, além do próprio biografado, dezenas de amigos, familiares e artistas ligados a ele. Como foi ter vivido todo este período?

- Foi maravilhoso. É um trabalho intenso, as viagens, as próprias entrevistas, depois transcrever tudo, cruzar as informações, ver o que falta... Mas foi muito bom, eu me diverti bastante e aprendi muito. Só de conviver com essas pessoas, ouvir suas histórias já é uma grande conquista. Estar cara a cara com o próprio Milton, o Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil... Pessoas das quais sempre ouviu falar, viu na TV, nos discos e, de repente, estão ali, diante de você, abrindo seu coração, suas lembranças. Foi muito bom.

- Você nasceu em Três Pontas, cidade adotiva de Milton Nascimento. Isso facilitou um pouco as coisas na hora de captar a essência do seu universo artístico?
- Na verdade eu nasci em Belo Horizonte, fui para Três Pontas aos 2 anos e gosto tanto de lá que acho que eu não seria quem sou nem teria conquistado as coisas que conquistei se não tivesse crescido lá. Mas, enfim, voltando à pergunta, é claro que facilitou. Não para captar o universo artístico, que vai muito além dos limites dessa nossa pequena cidade, mas para compreender a história, as origens do Milton, os detalhes que tanto enriquecem essa linda trajetória. Eu me senti, o tempo todo, personagem também, e assim é muito mais fácil entrar no texto, e escrevê-lo.


- Bituca é um dos maiores artistas do planeta terra. Você acha que os próprios brasileiros sabem a real dimensão do seu trabalho enquanto músico, compositor e cidadão?
- Ele é muito reconhecido, tanto no Brasil quanto no exterior, mas não é um artista que está o tempo todo na mídia e com isso muita gente aqui não tem imagina a dimensão do trabalho dele e dele como personagem. Espero, e foi o maior motivo pelo qual escrevi esse livro, ter contribuído para que essa história genial, cheia de conquistas, dramas, superações e magia seja mais conhecida, chegue aos ouvidos e cantos desse imenso país, que o Milton tanto ama.

- O livro toca em temas delicados de sua vida pessoal, como a sua péssima formação musical durante a infância e revela sua ligação difícil com seu único filho, Pablo. Romper a folclórica timidez de Bituca foi um desafio enfrentado por você para chegar até estes momentos de sua vida?
- Foi tudo uma grande surpresa pra mim. Primeiro, em ele conceder a entrevista, depois em chegar no primeiro dia, com muito receio de que ele não fosse falar nada, e ver ele contar histórias por três horas, sem parar. Não tive nenhum problema nesse sentido. Fiz todas as perguntas da mesma forma, e ele respondeu todas, sem hesitar, mesmo quando não era um assunto do qual gostava muito de falar.

-Tratando-se de uma biografia autorizada pelo retratado, você não teve medo de que o trabalho viesse a sofrer cortes ou censuras do próprio?
- Não, porque ele foi muito generoso comigo. Acho que, quando se propôs a falar, quando viu que eu faria a sua biografia, decidiu se abrir. Ele agiu durante todo o trabalho como ainda tem agido: a vida é dele, mas o livro era um trabalho meu, que eu fiz sozinha, sem patrocínio, nada, e ele respeitou isso sempre. Poderia ter criado um caso qualquer, feito uma objeção, uma exigência, censura, mas não fez. Nem pediu para ler o livro, foi em quem mandei pra ele. O Milton é uma pessoa muito especial, única.

- Você analisa todos os discos e músicas compostas ou interpretadas por Milton Nascimento. Caso um ouvinte fosse para uma ilha deserta, qual destes trabalhos você indicaria para que o mesmo levasse?
- Não é bem uma análise, mesmo porque não sou música e não tenho muitos mecanismos para analisar, ainda mais as músicas do Milton. O que eu fiz foi retratar como as músicas e discos foram feitos, em homenagem a quem, com qual inspiração, por quê... Eu indicaria “Milagre dos Peixes”, de 1973, é um disco maravilhoso e tem algo a ver com essa história de ilha deserta, lembra isso, estar isolado, cercado por uma imensidão. Esse disco teve quase todas as letras censuradas. Para não deixar de gravar as músicas o Milton vocalizou as melodias, sem letra, só a voz. Apenas uma música ficou com letra. É lindo.

- Quais são os resultados que você destacaria desta sua experiência jornalística?
- Eu aprendi muito, certamente. Primeiro, que você precisa planejar um grande trabalho e nunca se contentar com a informação. Buscar os detalhes, isso é fundamental, porque são os detalhes que dão a cor da história, que fazem o leitor se imaginar nela, vivenciá-la. Eu aprendi muito mesmo, e outra coisa importante é não se intimidar pelo tamanho do trabalho, pela inexperiência. Se você se dedicar, tiver paciência, disciplina e procurar orientação com quem tem mais experiência, nada é impossível. Como não foi impossível fazer uma biografia, dessa complexidade, para uma jornalista estreante, que nunca teve um emprego, pois até hoje só trabalhei em estágios ou fazendo free-lancer, sem nome ou qualquer outra referência senão a vontade de fazer o trabalho, bem feito.

- Afinal, o Clube da Esquina teria conseguido ser reconhecido com um dos maiores movimentos musicais do século XX, sem a presença de Milton Nascimento?
- Os outros músicos do Clube que me perdoem, mas não. Quem decidiu reunir esses músicos para fazer um disco, e não um movimento musical (pois Clube da Esquina foi um disco do Milton) foi o Milton Nascimento, que depois ainda fez o álbum “Clube da Esquina Dois”. É claro que esses músicos maravilhosos teriam trilhado seus caminhos de qualquer maneira, mas o Clube da Esquina só aconteceu por causa do Milton, que também foi o responsável por levar essa música para toda o Brasil e para o mundo. Dizer que isso não é verdade, é ir contra a realidade.

- Dá para relatar qual foi o real papel da mãe adotiva de Bituca em toda a sua formação e como isso se refletiu em sua obra?
- Ela foi a grande inspiração do Milton, a grande companheira, o seu guia, o seu ídolo. Dona Lília amou muito o Bituca e todo esse amor refletiu nele a vida toda, e transparece em sua obra. Agora, ao contrário do que já se disse, ela não era professora de piano, nem era música, embora tenha feito aulas de piano e cantasse na quermesse. Nem o pai. Quem era professora de piano e, talvez venha daí a confusão, era a mãe do Wagner Tiso. O Milton é autoditada, a música nasceu dele sem que ele tivesse tempo de perceber. E ainda é assim, é algo que flui. Não consegui, em toda a pesquisa, encontrar outra explicação.

- Qual será sua próxima empreitada jornalística ou literária?
- Eu tinha começado a escrever um romance quando resolvi fazer a biografia. E por isso optei por escrever o texto em forma de romance, protagonizado pela figura incrível do Milton. Agora retomei o romance, espero ter tempo para terminar. Apesar de que, se a gente tem vontade, o tempo aparece de alguma forma.

Samba de Luto


O Brasil e o samba perderam ontem, dia 25, Carmelita Madriaga Koethler, a nossa saudosa e querida cantora Carmem Costa, 87 anos.
Ela estava internada desde terça-feira, dia 24, no Hospital Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, sendo cremada hoje. A causa morte foi insuficiência renal e uma parada cardíaca.

Carmem Costa integrou o grupo de cantoras da época de ouro da Rádio Nacional. Junto com Emilinha Borba, Marlene e as Irmãs Batistas, ela marcou um tempo nostálgico do Brasil.

Sua estréia em disco ocorreu em 1942, quando conheceu o sucesso através da música “Está chegando a hora”, versão de Henricão e Rubens Campos para a música mexicana “Cielito Lindo”, que se tornou um grande sucesso dos carnavais.

A cantora participou ainda do filme “Carnaval de Marte”, de Watson Macedo, no ano de 1955, o mesmo em que lançou “Tem nego bebo aí”, marchinha carnavalesca de Mirabeau e Airton Amorim.

Em 1962, fez sua participação, com o violonista Bola Sete, no lendário concerto bossa nova no Carnigie Hall, templo musical de Nova York, ao lado de Tom Jobim, Vinícius de Moraes, João Gilberto, Stan Getz, entre outros.

Tenham a certeza meus amigos: Carmem foi um rio que passou em nossas vidas!

terça-feira, 24 de abril de 2007

Hermanos Decidem Dar um Tempo


O site oficial do grupo carioca Los Hermanos anúncio nesta terça-feira, dia23, que os quatro integrantes, Marcelo Camelo (guitarra e voz), Bruno Medina (teclados), Rodrigo Amarante (guitarra e voz), Rodrigo Barba (bateria), decidiram entrar em recesso por tempo indeterminado.

Em nota, a banda explicou que a pausa foi motivada por outras atividades paralelas desenvolvidas por cada músico. São mais de dez anos de atividade ininterruptas em conjunto. “Não houve desentendimento ou discordância que tenha afetado nossa amizade tanto que continuamos jogando truco toda quinta-feira. Por conta dessa decisão, mesmo após o término da turnê do "4", resolvemos fazer duas únicas apresentações no Rio de Janeiro, na Fundição Progresso nos dias 8 e 9 de junho”, esclareceram.

A notícia jogou por terra as esperanças dos fãs (este que vos escreve é um deles, ok?) de conferir um novo CD dos quatro hermanos. A alternativa é ficar se deliciando com os álbuns já lançados pelos garotinhos, que são responsáveis por pequenas pérolas do cancioneiro pop/rock/mpbístico recente. Saudades!

MTV Abre Baú do Pop Rock Nacional


A MTV Brasil lançou nesta sexta-feira, dia 20, sua “Discoteca MTV”, série de programas que pretende jogar novos olhares sobre álbuns que marcaram o pop rock brasileiro. O projeto foi inspirado na inteligente Classic Albums, produção da rede de TV BBC.

A série conta com doze episódios que traçam um panorama de albúns clássicos da recente história musical do país(1960 -1990), buscando entrevistar bandas, produtores, jornalistas e críticos musicais.Tudo costurado por imagens de arquivo e depoimentos dos próprios protagonistas para a série. O resultado evidência o desejo de esmiuçar a gênese de canções, arranjos etc.

Na estréia, “Ronaldo Foi pra Guerra” (1984), LP de Lobão e Os Ronaldos, que trazia os hits “Corações Psicodélicos” e “Me Chama”. “Discoteca MTV” tem tudo para emplacar, dada à carência e dificuldade que a própria memória musical brasileira tem em lidar com o assunto, servindo como um registro enxuto e eficiente sobre o período.

Títulos que serão abordados na série:

Mutantes (1968) – Os Mutantes
As Aventuras da Blitz (1982) – Blitz
Tempos Modernos (1982) – Lulu Santos
Revoluções Por Minuto (1985) – RPM
Nós Vamos Invadir sua Praia (1985) – Ultraje a Rigor
Cabeça Dinossauro – (1986) – Titãs
Dois (1986) – Legião Urbana
Vivendo e Não prendendo (1986) – Ira!
Da Lama ao Caos (1994) – Nação Zumbi
Usuário (1995) – Planet Hemp

Serviço: "Discoteca MTV", toda às sextas-feiras, 21h 30. Reprise aos sábados, às 15h30; quartas-feiras, às 11h e quintas-feiras, à 0h30.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Cabral (Re) Descobre o Brasil


Se por um lado a História nos conta que foi o navegador português Pedro Álvares Cabral o responsável pela descoberta do Brasil dito oficial, por outro, é preciso levar em conta que foi um brasileiro, o carioca Sérgio Cabral, de mesmo sobrenome, quem trouxe à tona uma parte de um Brasil não oficial, por isso mais profundo, ao conhecimento do seu povo.

Naquele, o país das oligarquias, da corrupção, da falta de dignidade, do descaso e da canalhice. Neste, uma nação de gente simples, a maior parte negra e excluída, cheia de arte, talento e muito samba no pé. Morro e asfalto. Universos paralelos que teimam em se cruzar e se negar em nosso dia-a-dia.

Misturado à geléia geral brasileira, Sérgio, que completa 70 anos de idade no próximo mês de maio, vai compondo sua trajetória de lutas e alegrias. Suas facetas, diga-se de passagem, são muitas: jornalista, pesquisador, crítico e colunista da MPB, ator, compositor, diretor e produtor musical, escritor e político.

Qual delas escolher? O Sérgio jornalista, um dos criadores do Pasquim (1969), o mais subversivo e bem humorado periódico brasileiro? Quem sabe o Sérgio divulgador de talentos esquecidos, tais como os sambistas Mano Décio da Portela, Candeia, Cartola, Ismael Silva, Nelson Cavaquinho e Zé Keti? Tem também o Sérgio político, que ocupou por três vezes uma vaga na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro.

Como esquecer aquele Sérgio amigo de gente querida, Jaguar, Ziraldo, Carlinhos Oliveira, Millor Fernandes e tantos outros? O Sérgio escritor, que publicou livros que perpassam os momentos iluminados de companheiros de jornada (Tom Jobim, Nara Leão e Pixinguinha)? Quem sabe o Sérgio outrora preso a mando da colérica e sangrenta ditadura militar pós 1968?

Poxa, são tantos os Sérgios. Bom mesmo seria ficarmos com todos, afinal, estão incorporados numa mesma personalidade já transformada em símbolo da cultura carioca e nacional.

Claro, não podemos deixar de citar o seu Rio de Janeiro tão amado, com suas histórias, suas esquinas, seus mitos, seus carnavais, seus calçadões à beira-mar, seus versos, melodias e harmonias que impregnaram sua vida, sua obra, suas amizades, seu infinito particular.

Sérgio não esqueceu o enredo de seu samba, procurando manter a fama de criador emperdenido. Enquanto prepara o lançamento de mais uma biografia, desta vez sobre o ator e comediante mineiro Grande Otelo, ele ainda encontra tempo para produzir reportagens especiais, prefácios etc.

São atividades que desenvolve paralelamente com a de conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, cargo que exerce desde 1993, garantido-lhe uma vida mais tranqüila depois de anos de trabalho árduo e momentos de instabilidade financeira.

Nascido no subúrbio de Cavalcante, criado em Cascadura, este nosso ipanemense de coração, no entanto, admite que seu ritmo diminuiu. Hoje prefere, quando sobra um tempo, ficar tomando uma boa água de coco no calçadão e curtir o carinho da esposa Magali e os filhos Sérgio, Cláudia e Maurício.

“Aliás, é impressionante que, depois de tantas décadas lidando com os setores mais populares da cultura do Rio de Janeiro, tenha passado a ser uma pessoa menos pública. A verdade é que não saio mais nos jornais, salvo excepcionalmente, e fico cada vez mais escondido. Acredite se quiser: estou feliz”, declarou Sérgio, durante depoimento registrado em livro da Coleção Gente (Editora Rio), em 2003.

Sua profecia, de que um dia seu filho, o também político e jornalista Sérgio de Oliveira Cabral Santos, chegaria a governar o estado do Rio de Janeiro, enfim se concretizou no começo deste ano. Quem sabe, este deva ser um daqueles momentos onde há um misto de felicidade e orgulho resguardados no fundo do seu coração.

Eu ali com o telefone na mão, quando do outro lado a voz faceira do mestre, naquela mesma Ipanema do poetinha Vinícius de Moraes, confirmando a entrevista via e-mail. As mãos suavam. O coração aos galopes. Suor no rosto. Como é difícil chegar perto de um mito. Tocá-lo.

Não sei, mas de repente me lembrei de uns versos de Cartola: “Fez-se alegria/Ah, corra e olha o céu/Que o sol vem trazer bom dia”. Sabe, era como se eu tivesse compartilhado por segundos daquela sua história rara e encantada. Fala aí, mestre!

- Como a música popular entrou na sua vida?
- Morava num bairro, Cavalcante, ao lado de Madureira, e, por causa disso, desde cedo convivi com o pessoal da Portela e do Império Serrano. Portanto, minha entrada na música ocorreu pela porta das escolas de samba. Depois, vieram outros tipos de música e um rápido aprendizado de violão e piano. Hoje, não toco nem um nem outro.

- Seus livros impressionam pela qualidade técnica e a riqueza de detalhes. Fale um pouco sobre o seu processo de criação e pesquisa.
- Antes de tudo sou repórter. Meus livros, na verdade, são grandes reportagens. E nas reportagens o detalhe é tudo.

- Para muitos, o desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro não é mais o mesmo. Eles afirmam que as mudanças impostas, tanto com relação ao ritmo do samba, como o tempo do desfile, acabaram transformando a festa num espetáculo televiso e comercial. Afinal, o carnaval carioca perdeu um pouco de sua espontaneidade?
- Sem dúvida as escolas de samba mudaram, como a cidade, mudou, o país mudou e as pessoas mudaram. A escola de samba é um fenômeno urbano permanentemente aberto às transformações. Mas ainda são, sem dúvida, importantes manifestações da criatividade popular. Para o meu gosto, as escolas de samba dos anos 50 e 60 do século passado eram melhores. Os mais antigos do que eu dizem que não. Boas mesmo eram as escolas das décadas de 30 e 40. Não posso, portanto, exigir que os mais jovens tenham o mesmo gosto que tenho.

- Qual a sua análise da MPB? Destacaria algum nome em especial?
- O único problema da MPB é a divulgação. Os criadores estão aí, em quantidade e qualidade fantásticas, mas ignorados pelo rádio e pela televisão. Guinga, compositor pouco divulgado, é um dos melhores do mundo.

- Há pouco, o musical “Sassaricando – E o Rio Inventou a Marchinha”, escrito por você e a historiadora Rosa Maria Araújo, terminou uma temporada de sucesso no Rio de Janeiro. Queria que você comentasse um pouco este espetáculo e os motivos que o levaram a escrever o texto.
- Nélson Rodrigues dizia que o brasileiro não consegue enxergar o óbvio. O que Rosa Maria e eu fizemos, ao escrevermos um espetáculo sobre as marchinhas, foi descobrir o óbvio. Estou chegando de Curitiba, onde vi o teatro Guairá, de mais de dois mil lugares, sem uma cadeira vazia e o público aplaudindo de pé.

- O senhor foi um ferrenho agitador político, encabeçando movimentos e publicações esquerdistas, como o CPC-UNE (Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes) e o semanário Pasquim. Passados mais de 40 anos do golpe militar, qual o balanço que você faz da esquerda brasileira, hoje? Está satisfeito com o governo de Luís Inácio Lula da Silva?
- Por enquanto, sou conselheiro do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, impedido por lei de emitir opiniões políticas publicamente, o que me impede de responder a perguntas políticas, incluindo a que envolve o governo Lula.

- Hoje, em razão da violência, o morro e cidade vivem um drama particular. Na década de 60, o diálogo entre ambos gerou uma riqueza cultural incomensurável para o país. Basta citarmos Cartola, Zé Kéti e Clementina de Jesus. O senhor acredita que isto possa se repetir novamente?
- Vinte anos de ditadura militar fez do Brasil um dos países mais injustos com o seu povo. O Rio de Janeiro foi a cidade que pagou mais caro por isso, por ver crescer nos morros e nas favelas uma população que chegou à cidade de todo o Brasil sem a menor condição de atendimento. Ou seja: sem empregos, sem serviços públicos, sem nada. Mas o samba continua forte. Zeca Pagodinho que o diga. Aliás, chamo a atenção para um conjunto de samba surgido recentemente no Rio chamado Galo Cantou. Vale a pena conhecê-lo. É bom não esquecer que Paulinho da Viola, Chico Buarque, Aldir Blanc, Luís Carlos da Vila, Nei Lopes, Martinho da Vila e tantos outros são cariocas.

- Nara Leão sempre foi uma mulher à frente de seu tempo, engendrando em si várias facetas. A beleza e o pensamento. O morro e a zona sul fluminense. Por que até hoje, tanto por parte da crítica, como do público, seu nome parece renegado a um segundo plano?
- Nara está esquecida, como estão esquecidos vários nomes que desapareceram da chamada mídia. Recentemente, foi feita uma pesquisa em Nova York que constatou, entre outras coisas, que menos de 15 por cento da população conhece Louis Armstrong e Duke Elington, os dois maiores nomes do jazz americano.

- Você travou contatos pessoais com Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Pixinguinha e muitos outros gênios musicais, que acabaram se transformando em temas de seus livros. Como separar o mito do homem nestas situações?
- Escrever biografia é, entre outras coisas, separar o ser humano do mito. É isso que tento fazer nas biografias que escrevo.

- Caso estivesse vivo, Antonio Carlos Brasileiro Jobim, o Tom, faria 80 anos este ano. O senhor acredita que sua obra tem o devido respeito que merece entre os brasileiros?
- Dos compositores que, infelizmente, já morreram, Tom Jobim é um dos únicos que ainda é lembrado uma vez ou outra.

- Poderia citar cinco sambas essenciais que todo bom amante do gênero musical não poderia deixar de ouvir?
- Cinco sambas? Poderiam ser 200. Mas vamos ao cinco: Com que roupa (Noel Rosa), Pra machucar meu coração (Ari Barroso). Ai que saudades da Amélia (Ataulfo Alves e Mário Lago), Falsa baiana (Geraldo Pereira) e Vai passar (Francis Hime e Chico Buarque).

- Como foi ter escrito sua própria autobiografia?
- Não escrevi minha autobiografia. Concedi uma longa entrevista, transformada em livro.

- Você tem algum projeto que gostaria de destacar para este ano?
- Acabo de escrever uma biografia de Grande Otelo, que espero seja lançado no próximo mês de maio, quando completarei 70 anos de idade.

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Meninos, Eu Vi!


Durante pelo menos os últimos 30 anos, a assessora de impressa e relações públicas Gilda Mattoso esteve no olho do furacão dos acontecimentos da MPB. Foi assessorando mitos como Gilberto Gil, Tom Jobim, Caetano Veloso e Maria Bethânia, durante suas turnês nacionais e internacionais, que esta carioca aprendeu sua profissão.

Pois agora, ela decidiu colocar a boca no trombone e contar tudo ou “quase” tudo o que sabe em seu livro “Assessora de Encrenca” (Ediouro, 239 pág.), que chegou as livrarias recentemente. O clima da narrativa é paltado pela rotina de viagens, shows, coletivas, diárias em hotéis e restaurantes, a qual todo grande artista é obrigado a enfrentar.

Caso a intenção do leitor seja se deleitar com fofocas picantes ou coisas do tipo sobre o universo dos famosos compositores e interpretes, é melhor tirar logo o time de campo. “Assessora de Encrenca” é antes um livro de crônicas pessoais.

O prefácio ficou a cargo de Caetano Veloso. “Todos confiamos nela. Mas a razão mais forte para isso me parece ser o prazer que sempre encontramos em sua inteligência, em sua combinação única de irreverência e recato, de veia satírica e descrição”. A contra-capa também não deixa por menos e traz um bem humorado texto do cineasta Pedro Almodóvar.

Muitas das histórias apresentadas no livro foram baseadas nos diários de viagem da autora, que, meticulosamente, parece ter anotado tudo: horários, nomes de hotéis e restaurantes , contratempos etc.

Quem é você?

Gilda Mattoso é uma velha conhecida do universo do showbiz brasileiro. Tudo começou nos anos 70, quando ela se aventurou pela exterior, exercendo atividades das mais diversas, chegando a trabalhar numa loja de presentes da capital londrina, a “Smythson´s Bond Street”, cuja clientela era composta por nomes pomposos: Fred Astaire, Frank Sinatra, Ava Gardner, entre outros.

Seu feeling sobre o assunto ganhou densidade neste momento, como ela própria revela. “Essa experiência serviu para que eu me acostumasse ao trato com famosos, poupando-me da ‘síndrome da tietagem’, isto é, do deslumbre frente às personagens”.

Mais foi com o italiano Franco Fontana, que fazia produções de artistas brasileiros na Europa, que Gilda Mattoso conseguiu galgar mais alguns degraus na difícil arte de assessorar artistas. A segunda fase de sua carreira começa em 1980, quando ela trabalhou por nove anos em dois consagrados antros do mercado fonográfico brasileiro, as gravadoras Ariola e Polygram (hoje Universal Music).

Em 1989, a autora passou a assessorar em sua própria empresa vários artistas, entre eles, Gal Costa, Zeca Pagodinho e Afro Reggae.

Para viver um grande amor

A autora conta que o título do livro é uma referência à sua filha Marina, que na infância, certa vez disse: “Quero ser igual a você, mamãe, assessora de encrenca”. O belo trabalho gráfico da obra, de autoria de Luís Stein, reproduz uma série de credenciais de Gilda Mattoso, formando um mosaico de imagens das mais belas.

Quem abre o pequeno volume é Vinícius de Moraes. Não era para menos, pois Gilda Mattoso foi sua última esposa. Os dois anos vividos ao lado do “poetinha” são descritos de forma despretensiosa e suave, relatando os encontros, as manias e os momentos inusitados vividos ao seu lado.

Como é o caso de um show realizado na cidade de Montevidéu, quando Vinícius, acompanhado de Maria Creuza e Toquinho, ficou literalmente nu diante do público, depois que o cinto de sua calça cedeu.

Este capítulo, como todos os outros, é recheado de fotos. Difícil não se impressionar com as várias dedicatórias escritas pelo autor de “Soneto da Separação” para Gilda Mattoso. As mesmas, que foram reproduzidas em fac-símile, revelam sua dinâmica amorosa e sua fome de viver.
“Vinícius não morreu rico (...) O que é surpreendente para um autor cuja obra corria o mundo, com centenas de edições e gravações em quase todas as línguas (...) Mas ele tinha verdadeira alergia ao assunto ‘ dinheiro’”, revela a certa altura.
Leãozinho

Talvez um dos pontos altos do livro sejam alguns momentos vividos ao lado de Caetano Veloso, com quem trabalhou por mais de 15 anos. Seu primeiro encontro com o artista aconteceu em 1978.

Neste trecho de “Assessora de Impressa”, situações rocambolescas e hilárias são trazidas à luz paro o leitor. São cenas que alargam as situações por vezes surreais a que muitos astros da nossa música são obrigados a enfrentar, como um ar condicionado com problemas indecifráveis, um diretor de TV impertinente, entre outros.

Mas, tudo bem, é lá também que encontramos um Michelangelo Antonioni (um dos maiores cineastas do mundo), emocionado diante de uma canção de Caetano durante um show na pequena cidade italiana de Assis.

Como sobremesa ainda tem o relato de um fato ocorrido durante o “Úmbria Jazz Festival”, em Perúgia, na Itália, momento este que propiciou o encontro histórico entre Caetano e João Gilberto. “Na frente, os dois artistas com seus violões transformaram o bis num outro show e tudo durou uns 45 minutos. As pessoas, inclusive alguns jornalistas que tiveram que sair antes do bis pra bater suas matérias, não podiam acreditar, no dia seguinte, no que tinham perdido”. Bastidores são sempre bastidores. Fui claro?

Diz que fui por aí

Além destes retratados, Gilda Mattoso descreveu momentos interessantes ao lado de Tom Jobim, Djavan, Milton Nascimento, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, Ney Matogrosso, entre outros. Histórias de sua família também são mostradas no final do livro.

Em entrevista ao Jornal “O Estado de São Paulo”, a autora afirmou que muita coisa mudou no showbiz hoje. Ela salientou que a “industria das celebridades” não existia até então. “Nos anos 80, você ia ao Baixo Leblon e encontrava Alceu Valença, Marina, Gil. Tom Jobim ia à padaria a pé. Vinícius era encontrado ali na farmácia Piauí. Ninguém tinha segurança, motorista, carro blindado com vidro preto. Não havia essa loucura de paparazzi”, concluiu.

Como se vê, “Assessora de Encrenca” investe menos em revelações bombásticas do que em curiosidades deliciosas. Caberá ao leitor agora encontrá-las e tomar as suas próprias conclusões.

A Fase Lisérgica do Pequeno Príncipe


A gravadora Universal Music lança, no final deste mês, os três primeiros álbuns da carreira do cantor Ronnie Von, hoje, com 62 anos. São eles “Meu Bem” (1966), “Ronnie Von” (1968) e “Máquina Voadora” (1970). Juntos eles representam a fase experimental e psicodélica do ídolo que depois se entregaria aos apelos pop´s da indústria fonográfica.

Os álbuns, sempre disputados à tapa em sebos, chegam remasterizados e com textos históricos nos encartes. O bolo da cereja desta fornada de lançamentos do Pequeno Príncipe, no entanto, é o antológico álbum homônimo de 1968, que traz clássicos da fase psicodélica do cantor, como “Silvia 20 Horas de Domingo”, “Espelhos Quebrados”, “Menina de Tranças”. Provando que as madeixas do garotão na época escondiam bem mais que charme e boniteza. Pura lisergia.

Esta viagem sonora vem conquistando os ouvidos mais antenados da recente geração do meio musical brasileiro. Basta conferir o projeto “Tudo de Novo - Tributo a Ronnie Von”, no site http://www.ronnievon.com/, onde 30 bandas independentes do país inteiro realizam uma releitura da obra do cantor. A músicas, disponibilizadas de forma gratuita, cobrem os anos de 1966 a 1972.

A responsável por este revival é a jornalista Flávia Durante. Vale a pena conferir.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Nas Asas da Coerência

Sexta-feira, dia 9 fevereiro de 2007. Mais uma tarde de verão. Passa das 18h 30, mas o sol persiste. Provoca suor e desconforto. O ônibus, que traz a banda 14 Bis a Lavras, Sul de Minas Gerais, pára na frente de um hotel, no centro da cidade. O grupo, vindo de Belo Horizonte, se prepara para mais um show no auditório Lane Morton, no Instituto Presbiteriano Gammom, na mesma noite.

Quando a porta do veículo se abre, surgem membros da equipe de produção da banda trazendo bagagens. O guitarrista Cláudio Venturini, o baterista Hely e o tecladista Vermelho são os primeiros a despontar na calçada em direção a entrada do hotel. O último a chegar, perdido no pequeno tumulto de vozes, é o baixista Sérgio Magrão.

O "Nada Será Como Antes" acompanha tudo de perto. Faz 90 longuíssimos minutos que esperamos a chegada da banda para uma entrevista, que foi acertada previamente com a produção lavrense responsável pelo show.

Começa o sobe e desce de elevadores. Nos rostos de toda a equipe o cansaço da viagem. O atraso do conjunto desencadeou o que todos já pressentíamos: o bate-papo com o 14 Bis teria de ser adiado para depois do show.

Resignados, eu e um amigo (que trazia alguns LP´s originais do grupo Terço para serem autografados pelo ex-integrante Sérgio Magrão), decidimos dar meia-volta. Teria de ser naquele clima pós-show, sob o peso da adrenalina, que poderíamos encontrar o quarteto mineiro.

O papo, que você confere abaixo, rolou no corre-corre do camarim improvisado da instituição lavrense. Na fala de cada integrante: muitas idéias, lembranças de momentos históricos e vontade de continuar tocando e produzindo música de qualidade.

A principal novidade é o lançamento do primeiro DVD da banda. Gravado ao vivo no último dia 23 de dezembro do ano passado, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, o trabalho serviu para comemorar os 26 anos de criação do 14 Bis.

- Vocês completam 26 anos de carreira este ano. A convivência do grupo depois de tanto tempo ainda é a mesma?
- Magrão: A partir do momento que você gosta do faz e há uma amizade grande, isso fica resolvido. O talento, a coisa de criar e fazer música, isso flui naturalmente.

- Como foi gravar o primeiro DVD da banda?
- Magrão: Havia uma cobrança do nosso público para que fizéssemos o DVD. O 14 Bis sempre quis ver seu trabalho registrado em vídeo. Foi uma coisa dolorosa porque envolveu a Lei Rounaut e a questão de patrocínio, onde existe todos os tramites legais e a burocracia.

- Vermelho: O Aécio Neves é uma pessoa esclarecida e está cuidando da cultura mineira. Ele nos deu uma força para realizar este projeto. O difícil vai ser divulgá-lo na grande mídia. A gente vai poder aparecer na Rede Globo de Televisão só pagando jabá. O único programa televisivo que a gente vai fazer é o do Raul Gil.

- O panorama da música mineira hoje lhes agrada?
- Vermelho: A MPB e a música mineira são ótimas. Em Belo Horizonte, tem nego cantando de tudo que é jeito: o Gabriel Guedes tocando chorinho, o Marcus Vianna fazendo trilha para novela, o Skank, o Jota Quest, Flávio Venturini, Lô Borges, Beto Guedes e Paulinho Pedra Azul. Acontece que a cultura do País está um pouco jogada de lado. Não sei se é culpa do Gilberto Gil (Ministro da Cultura), mas não está sendo do jeito que a gente esperava.

- Vocês foram uma das bandas pioneiras a investir na vanguarda tecnológica, gravando alguns de seus álbuns fora do País. Como anda este processo hoje?
- Vermelho: Antes de gravar o DVD, nós estivemos nos Estados Unidos, onde cada um trouxe um laptop. Os sons de teclados hoje são produzidos por computador. A produção da gravação do DVD reuniu profissionais importantes, como o iluminador, que trabalhou com Sting e Paul . O DVD foi mixado no estúdio Mox, em São Paulo, o melhor do Brasil.

- O mercado fonográfico atual atravessa uma de suas maiores crises (queda na venda de CD´S, pirataria, novas mídias digitais). Para vocês, está mudança é positiva ou negativa?
-Vermelho: Os caras pirateam geralmente discos sertanejos. O público da gente vai comprar o DVD original. Já a cópia pirata poderá atrair um tipo de platéia que não conhece nosso trabalho para os shows.

- Magrão, como nasceu à canção “Caçador de Mim”, em parceria com Guarabira?Ela lhe rendeu um bom retorno financeiro por causa dos direitos autorais?
- Magrão: Eu teria ficado rico se tivesse criado está música nos Estados Unidos ou na Europa. Agora aqui, continuo do mesmo jeito. Compus a música em São Paulo. Demorei mais de um ano para mostrá-la para alguém, pois tenho sempre uma preocupação de achar que uma canção se pareça com outra. Minha produção é um pouco menor, pois sou empresário da banda. Nós fazemos de 80 a 90 shows por ano no Brasil há 20 anos. É mal, mas alguém tem que tocar o barco, ou melhor, o avião (risos).

- Como é estar se apresentando em Lavras mais uma vez?
- Cláudio Venturini: É sempre muito bacana. Nós tocamos neste mesmo palco há 24 anos atrás, quando estávamos no auge do sucesso. Nós não esperávamos um público tão grande. As pessoas subiram nas poltronas ensandecidas. Ficou muita coisa destruída. Trago de memória que o pastor responsável na época pelo Instituto Gammom, disse que aquela era a primeira e a última vez que o grupo tocava ali.

- A banda manteve um contato breve com o cantor e compositor Renato Russo, durante um de seus álbuns nos anos 80. Qual a lembrança que vocês guardam de sua pessoa e do seu legado artístico?
- Hely: Renato Russo era um artista talentoso, que fez a cabeça de muita gente. Ele era uma pessoa muita engraçada, super alegre. Quando o conhecemos, fazia pouco tempo que ele fazia parte do casting da EMI. Ele parecia àqueles carrinhos de brinquedo bate-e-volta. Sua morte foi uma perda grande.

- Como surgiu a canção “Mais uma vez”, parceria do cantor com Flávio Venturini?
- Hely: Foi nos anos 80, quando o 14 Bis estava ensaiando um tema do Flávio Venturini num dos estúdios da EMI. Ao lado do nosso, estava a Legião Urbana. Nós passamos semanas tocando este tema. Num belo dia, Renato Russo invadiu o estúdio dizendo “Esta música tem letra?”. Quando soube que não, ele então mostrou metade de uma letra que ele já estava compondo nos últimos dias. Assim nasceu “Mais uma Vez”.

- O grupo sente falta do universo coletivo dos estúdios de gravação, onde os músicos e compositores partilhavam idéias, se encontravam, varavam madrugadas gravando etc?
- Hely: Este espírito coletivo foi perdido. Hoje cada um tem seu próprio estúdio em casa e não existe mais a coisa acontecendo entre as pessoas.

-Qual a relação que o 14 Bis estabelece com o público? Uma nova geração está curtindo o 14 Bis?
Hely:
Nosso público tem se renovados sempre. Todo show dá um friozinho na barriga, é sempre uma emoção nova.

- Cláudio Venturini, o que costuma tocar na sua vitrola nos últimos dias?
- Cláudio Venturini: Faz duas semanas que eu só tenho ouvido 14 Bis (risos). Quando estávamos vindo para cá eu estava ouvindo Jorge Benson. Eu costumo ouvir muito jazz e rock ´and´roll. No meu carro sempre toca Steve Vay, Joe Satriani, Jimi Hendrix, Jeff Beck, The Who.

-Você aceita o estigma de ser considerado o rockeiro do 14 Bis?
- Cláudio Venturini: O grupo sempre teve este lado MPB, mas eu sou o lado rock da parada. Sempre toquei rock com a galera de Belo Horizonte. Sempre andei, inclusive, no meio do heavy metal, onde sempre dou minhas canjas em algumas bandas.

- Podemos perceber até umas levadas progressivas no som do 14 Bis dos primeiros álbuns, não é?
- Cláudio Venturini: É cara, mas hoje fazer este tipo de som fica mais difícil, pois temos dois tecladistas na banda. É muito dedo, muita nota musical. Com a tecnologia de hoje, a gente consegue colocar a guitarra em uma nota, naquela época não dava.

- Vermelho, como foi ter participado da gravação do histórico disco de Milton Nascimento, o Clube da Esquina II (1978)?
- Vermelho: A gente aprendeu muito, né? O Milton Nascimento tinha uma coisa que o Miles Davis tinha, que era saber trabalhar com os músicos. Ele sabia organizar cada instrumentista dentro de toda esta improvisação que é a música popular. Hoje ele não utiliza mais esta capacidade.

- Qual era o clima do encontro de tantas estrelas dentro do estúdio de gravação?
- Vermelho: Eu fiz os arranjos da canção “Paixão e Fé”, de autoria de Fernando Brant e Tavinho Moura, que tem a participação do coro dos Canarinhos de Petrópolis. Os meninos que participaram da gravação eram estudantes de colégio interno católico. O estúdio da EMI era grande, então, nos intervalos, eles ficavam jogando bola lá dentro. A gravação demorou muito, pois não é fácil microfonar e colocar um coro numa música. O frei alemão ficava dando bronca nos meninos. No final, eles cantaram direitinho e bateram palmas. Gravar este disco foi uma emoção muito grande.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Rio 40 Graus



No verão, nada melhor do que juntar praia, mar, sol, comida e música de qualidade em um mesmo ambiente, tendo como pano de fundo o Rio de Janeiro. A cidade, que foi sede de nossa capital federal, continua a seduzir quem quer que seja: nativos, turistas, poetas, atores, cantores, pintores, sambistas, enfim, todos.
Não há tempo que consiga apagar as marcas de um cenário de beleza, que a natureza criou (alô, Mangueira!). Nas suas geográficas formas de mulher, por entre praias, matas e montanhas, passado e presente se entrecruzam a cada esquina.
Pois é, o Rio continua lindo. Prova disso é a série de publicações da editora Casa da Palavra lançados recentemente. O trabalho mapeia três momentos significativos da vida carioca: a gastronomia de seus bares e botequins, o movimento musical e cultural da Bossa Nova e a relação de Chico Buarque e sua obra com a cidade.
Funcionando como uma rica fonte de informações, os volumes acabam também por se tornar um deleite visual e táctil para seus leitores, que, mesmo no aconchegado de suas poltronas, poderão viajar pela Cidade Maravilhosa a partir de qualquer ponto do País ou do planeta.

Um cantinho um violão

O pacote se abre com “Rio Bossa Nova – Um roteiro lítero-musical”, (156 pág.), do prestigiado jornalista, escritor e pesquisador carioca Ruy Castro. O livro reúne farto material sobre o gênero musical (1958-1965) surgido despretensiosamente das mãos de ótimos músicos noturnos da zona sul do Rio, como Jonny Alf, Tom Jobim e Newton Mendonça, além de outros tantos personagens que viraram lenda: Carlos Lira, Ronaldo Boscôli, Newton Mendonça, João Gilberto, Nara Leão e João Donato.
Ruy revela que a idéia do livro foi fruto de suas conversas de bar com amigos, quando era percebida a vontade que muitos turistas sentiam por revisitar lugares associados à Bossa Nova no Rio.
Servindo como um guia, a obra oferece um trabalho gráfico e iconográfico (fotos, objetos e documentos raros e inéditos) dos mais belos, mostrando onde se pode ouvir Bossa Nova hoje no Rio, os lugares importantes onde ela aconteceu e a localização de seus sítios arqueológicos já não existentes na cidade.

Só privilegiados tem ouvido igual ao seu

Segundo Ruy, o novo livro chega como uma novidade distinta, entre outros títulos por ele publicados sobre o tema, como “Chega de Saudade”, “Ela é Carioca” e “A onda que se ergueu no mar”.
“‘Rio Bossa Nova’ se propõe a exatamente isso: tomar o leitor pela mão e conduzi-lo pelos caminhos da Bossa Nova na cidade – pelas ruas, praias e casas onde ela é tocada. É um guia de endereços e roteiros para visitantes domésticos e estrangeiros”, avisa ele no prefácio.
Quem pensa que o gênero musical já viveu todo o seu momento de glória, pode tirar seu cavalo da chuva. O autor argumenta que nunca se ouviu tanto Bossa Nova no Rio quanto agora. Os points bossanovistas têm endereço certo em casas de show (Mistura Fina, Canecão e J. Club), bares e restaurantes (Casa Villarino, Bar do Tom), sebos (Sebo de Discos da Rua Pedro Lessa e Modern Sound), Cafés (Drink Café e Cotton Club Tabacos Café), entre outros.
Dá zona norte à zona sul, de leste a oeste. Não importa. Há sempre um lugar onde se pode visitar, curtir um ótimo som e comprar diversos produtos ligados ao gênero musical que representou um divisor de águas na chamada linha evolutiva da Música Popular Brasileira.

Tudo é verão e o amor se faz

“Rio Bossa Nova” mostra ainda curiosidades sobre os mitos musicais da época e sua relação criativa e afetiva com a cidade. Nele se descobre, por exemplo, as “peregrinações errantes” de Vinícius de Moraes pelos mais variados bairros cariocas: Botafogo, Ilha do Governador, Ipanema, Laranjeiras e Gávea.
Tem ainda a amada Ipanema do Tom Jobim. O bairro serviu ao “maestro soberano” como morada durante boa parte de sua vida e refletiu profundamente nas suas composições. Foi ali que nasceram clássicos de sua autoria ao lado de outros parceiros: “Chega de Saudade”, “Estrada do sol”, “Teresa da Praia” e “Caminhos Cruzados”.
Bom não esquecer de Copacabana, berço da Bossa Nova. Com sua maestria descritiva, Ruy mostra onde se encontra o endereço do lendário apartamento da musa Nara Leão. O apê serviu como trincheira para patota de músicos bossanovistas e a fina flor da elite carioca na década de 60. “Nara só podia promover aqueles saraus diários, que não tinham hora para terminar, porque seu pai, o advogado capixaba Jairo Leão, era um homem liberal”, esclarece o autor em seu texto.

Cidade (s)

“Chico Buarque - Cidade Submersa” (160 pág.) é outro dos lançamentos da editora carioca. O livro contem textos da jornalista Regina Zappa, baseadas em entrevistas com o artista, e também um ensaio fotográfico de Bruno Veiga. Tudo costurado por 30 letras do cantor e compositor carioca.
A edição, cujo trabalho de arte ficou cargo de Christiano Menezes, traduz de forma soberba, por meio de imagens, letras de canções e histórias, um Rio de Janeiro bem conhecido de um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos.
“O menino Chico, nascido no Catete, no Rio, morador do Lido, em Copacabana, até os 2 anos de idade, quando foi morar com a família viver em São Paulo, mal podia esperar o fim das aulas para se lançar na estrada com os irmãos e, com o coração aos pulos”, percorrer todas as paisagens do caminho entre a capital paulista e a Cidade Maravilhosa”, revela Regina, no livro.
Ela apresenta detalhes interessantes que remontam a infância e adolescência do compositor na cidade do Cristo Redentor. Copacabana, Ipanema, Arpoador, diz a autora, foram se mostrando a ele na medida em que crescia e se maravilhava com suas belezas.

Fala Rio

Regina teve o mérito de conseguir romper a conhecida discrição de Chico para falar sobre vida pessoal, fazendo com que sua trajetória artística e pessoal pudessem ser admirados numa quase intimidade.
Ao lado da autora, passeamos por bairros, carnavais, praias, que desembocam em sua obra gigantesca, que desde seus primórdios, esteve ligada ao Rio. O processo de criação do artista está também registrado no livro. “A essa altura não dá mais para brincar com isso. De fazer por fazer. Faço quando quero e quando me dá prazer”, responde um maduro Chico, em determinado trecho de “Cidade Submersa”.
Proliferam na edição os exemplos de letras e canções que já fazem parte do imaginário carioca e nacional: “Deus é um cara gozador, adora brincadeira/Pois pra me jogar no mundo, tinha o mundo inteiro/mas achou muito engraçado me botar cabreiro/Na barriga da miséria nasci batuqueiro (brasileiro)/Eu sou do Rio de Janeiro” (“Partido Alto”, 1972), “Rio de ladeiras/Civilização encruzilhada/Cada ribanceira é uma nação” (Estação Derradeira, 1987) e “Dois irmãos, quando vai alta a madrugada/E a teus pés vão-se encostar seus instrumentos/Aprendi a respeitar sua prumada/E desconfiar do teu silêncio” (Morro Dois Irmãos, 1989).
“Cidade Submersa” ganha fôlego também através do olhar acurado do fotógrafo Bruno Veiga. A plasticidade e a beleza de suas imagens conseguiram flagrar a essência do cancioneiro buarqueano, com suas nuances políticas, sociais, amorosas e cotidianas, sempre engendradas nos “desvãos” da cidade.

Pés sujos

O desfecho se encerra com o volume “Rio Botequim – Os melhores petiscos e comidas de bar” (152 pág.), de autoria de Guilherme Studart. Trata-se de um projeto da Casa da Palavra e Memória Brasil.
Em 1997, Studart, que é amante da gastronomia, com ênfase nos botequins cariocas, decidiu criar um guia para os apreciadores deste tipo de segmento, que a cada ano que ganha mais força na capital fluminense.
“O universo relativo à comida de botequim, além de apaixonante e saboroso, é extremamente vasto, de uma riqueza inesgotável”, destaca o autor em entrevista à Casa da Palavra.
A edição acabou se tornando uma marca registrada da cidade, servindo de referência para um público selecionado, tais como boêmios, turistas, donos de bares, chefs de cozinha, jornalistas, críticos gastronômicos e curiosos em geral da chamada “baixa gastronomia carioca”.

Cara nova

Em sua 7ª edição, “Rio Botequim” mostra 20 pratos que são sensação entre os paladares cariocas. O guia é dividido em 4 categorias: petiscos e tira-gostos, caldos e sopas, sanduíches e pratos principais. Ao contrário das edições anteriores, em que os estabelecimentos eram avaliados e selecionados a partir de diversas categorias, o novo trabalho busca valorizar, sobretudo, a culinária dos botecos e suas histórias, sem priorizar o ambiente, as bebidas e o serviço.
Para Studart, mais do que lazer e diversão, estes ambientes oferecem uma reflexão sobre o modo de ser do fluminense. “Inegavelmente, os botequins fazem parte da cultura carioca e representam uma espécie de patrimônio afetivo da cidade, referência para seus habitantes, para os quais é um elemento essencial da vida cotidiana”, avalia ele, no mesmo depoimento.
Nos 71 botequins citados no livro, pode-se encontrar de tudo. O que não falta são opções: sardinha frita, bolinho de bacalhau, sanduíche de pernil, feijoada, cabrito assado, rabada de agrião, risoto de camarão, entre outros.
Além de mostrar a tradicional gastronomia carioca, “Rio Botequim” ressalta o clima destes espaços (seus freqüentadores e sua magia interior) através de agradáveis ilustrações. Isso pode ser constatado em casas como Arataca, Amarelinho, Bigode, Jiló, Lamas, entre outras.
Que o leitor não se engane: o Rio continua lindo de verdade. Basta conferir estás paginas todas. Simplesmente imperdível!

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Epírito de Porco


Bem vindos em vindos ao ano de 1986. Depois de mais de trinta anos sob o julgo de uma das mais sangrentas ditaduras militares da América Latina, o Brasil começava a se abrir politicamente. Tancredo Neves já havia saído dessa para melhor e o então presidente José Sarney tentava dar uma arejada na casa com a criação do Plano Cruzado, que previa o tabelamento de preços e salários.

A realidade, porém, era diferente nas ruas. Desemprego e alta inflação jogavam o país num abismo sem fundo e mostrava a fragilidade de um Estado vítima do seu próprio atraso e ignorância. Nem mesmo a Copa do Mundo do México daquele ano animava a torcida verde e amarela.

Na tv, o lixo cultural das últimas duas décadas começava a aflorar de forma ascedente em programas como o Xou da Xuxa, da Rede Globo de Televisão. Já na música, tudo era divino, maravilhoso e rejuvenecedor. O rock tupiniquim estourava nas FM’s. Bandas novas surgiam e redimensionavam padrões estéticos, musicais e comportamentais – leia-se Ira, Legião Urbana, Blitz, Barão Vermelho, Kid Abelha, Paralamas do Sucesso, ufa!

Um fato ocorrido em junho daquele ano, no entanto, iria marcar para sempre a história da pop/rock brazuca. Foi o momento em que chegava às lojas o álbum Cabeça Dinossauro, do grupo paulistano Titãs, o terceiro da carreira do conjunto.

Seus oito integrantes, Nando Reis (baixo e voz), Arnaldo Antunes (voz), Toni Bellotto (guitarra), Paulo Miklos (baixo e voz), Sérgio Britto (teclados e voz), Charles Gavin (bateria e percussão), Branco Mello (voz) e Marcelo Fromer (guitarra), colocariam ali a pedra que faltava na catedral do pensamento pós-tropicalista.

Mundos contrários

A ilustração da capa e contracapa do novo trabalho, retirada de dois desenhos do gênio renascentista Leonardo da Vinci, intitulados "Expressão de um homem urrando" e "Cabeça grotesca", traduzia a atmosfera dos arranjos, das letras e idéias do grupo.

O disco representava uma espécie de metáfora das oito personalidades que se revezam no processo criativo da banda, mostrando a sua diversidade paltada por elementos orgânicos, racionais, dionisíacos e apolíneos. Mas não apenas isso, ela representava bem os anseios de mudança de uma geração que queria encontrar saídas para o impasse brasileiro.

Era preciso exorcizar os demônios interiores. Acordar a besta-fera de nós mesmos, radicalizar sem ser radical e beber o nosso copo de cólera. Este parecia ser o tom que impregnava todas as canções. Cabeça dinossauro (...) /Pança de mamute (...)/ Espírito de porco”. Assim sentenciava a faixa-título, como num mantra (o instrumental foi adaptado de uma peça musical de uma tribo de índios no Xingu), na voz de Branco Mello.

Como também no primitivismo criativo da letra de Aa Uu. “Au Uu Aa Uu/ Estou ficando louco de tanto pensar/Estou ficando louco de tanto gritar”. O vagido sonoro da banda desestruturava as bases sólidas de um modo de fazer música no país até então adormecido e tacanho.

Tripé

Três temas fundamentais permeiam Cabeça Dinossauro: o Estado, a religião e a família. As letras em grande parte faziam referência aos cacos de uma civilização perdida, industrializada, urbana e decadente. “Homem em silêncio/ Homem na prisão/ Homem no escuro/ Futuro da nação”, provocava Paulo Miklos, na já clássica Estado Violência. Desencantamento este que também aparece nas canções Tô Cansado, A Face do Destruidor e Porrada.

Sem contar, claro, com o nonsense da banda, seu aporte musical pesado e ligeiro como um murro no estômago. “Desde os primórdios/ Até hoje em dia/O homem ainda faz/O que o macaco fazia/ Eu não trabalhava, eu não sabia/Que o homem criava e também destruía”, ilustrava a letra de Homem Primata.

Instituições outrora sacralizadas e intocáveis, como a Igreja Católica e a Polícia brasileira eram questionadas. Reivindicava-se um outro modo de encarar e seduzir a vida que agonizava a olhos vistos. Era ali, apesar das “pulgas” e “baratas”, a “proliferação das pestes”, que ela acontecia e se dava.

Rumos

Com a estréia de Liminha na produção, ex-Mutantes, a obra conseguiu transmitir o espírito da banda, que funcionava de maneira mais eficiente quando se apresentava ao vivo.

O disco também foi um passo importante na carreira dos Titãs. Era um sinal claro de seu amadurecimento depois de dois álbuns lançados, apresentações em programas televisivos, como Chacrinha e Clube do Bolinha, e uma boa receptividade do público.

Na verdade, a banda singrava mares tranqüilos até então e agora almejava um novo Norte. Queria se aventurar pelo reino do improvável. Na época de seu lançamento, Cabeça Dinossauro chegou a causar estranhamento em muitas rádios do país, que se recusavam a tocar o repertório do disco. Uma das faixas, Bichos Escrotos, chegou a ter sua radiodifusão proibida pela censura da época. Mesmo assim o trabalho vendeu 300 mil cópias e garantiu um disco de ouro para banda.

Poesia

Além da crueza de seu som, a obra apresentava também fortes traços de influências que passavam pela Poesia Concreta paulista, o Cinema e as Artes Plásticas.
As palavras, como objetos que se perfilavam aleatoriamente, conjugavam tempos, espaços e desejos. “O que não pode ser que/Não é o que não pode ser/Que não é o que/ O quê ?/ O quê?/O quê?/ Que não é o que não pode ser que não é”, soava a belíssima O que.

Corações e mentes

Mais do que demarcar territórios no rock brasileiro, Cabeça Dinossauro deve continuar chamando a atenção de novos ouvintes. Tudo leva a crer que Cabeça Dinossauro servirá como lanterna de popa para os marujos que se aventurarem pelo universo do pop/rock nos próximos 20 anos. Quem viver, verá!

terça-feira, 10 de abril de 2007

Nos Lençóis Macios da MPB




Ok, quantos de nós já se viu cantando ou assobiando uma canção de amor ou de teor sexual na vida? Pois é, elas estão aí nas vozes e letras de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, Odair José, Chico Buarque, Wando, Dalva de Oliveira, Noel Rosa, Rita Lee (ufa, a lista é grande!).
Foi para tentar repensar todo este amplo universo é que o pesquisador e jornalista Rodrigo Faour decidiu rebobinar cerca de 1.300 músicas do cancioneiro brasileiro, analisando-as passo a passo. O resultado deste trabalho vem agora a público através do livro “História Sexual da MPB - A Evolução do Amor e do Sexo na Canção Brasileira”, que chegou recentemente às livrarias do País.
Com uma linguagem informal e direta, Faour evita a aridez do academicismo, preferindo valorizar ambos os temas por meio das mais variadas conjunturas sociais e culturais nos quais as canções foram compostas e interpretadas. Um arco que começa no XVIII chegando até os nossos dias.
A obra ganha valor referencial ao abordar nuances pouco ou quase nunca estudadas na Música Popular Brasileira, como, por exemplo, o machismo, a misóginia, o homossexualismo, o amor romântico e idealizado e o tesão. Em resumo: um portentoso estudo das transformações comportamentais, afetivas e sexuais dos brasileiros.
De sua residência no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, Rodrigo Faour concedeu uma entrevista exclusiva, via e-mail, que publicamos pela primeira vez no “Nada Será Como Antes”. As respostas sempre objetivas e coalhadas de nuances, dadas pelo jornalista e pesquisador, fizeram com que nós, ciosos de nos manter fidedignos ao seu pensamento, evitássemos quaisquer cortes.
Sim, caríssimos leitores, não é todo dia que se encontra alguém que tenha o que dizer de verdade. Abram alas, pois Rodrigo Faour vai passar!

- Como surgiu a idéia de escrever História Sexual da MPB - A Evolução do Amor e do Sexo na Canção Brasileira?
- Partiu da minha amizade com a sexóloga Regina Navarro Lins, que conheci há quase 10 anos, quando ainda era repórter da Tribuna da Imprensa (RJ). Fiz uma matéria de capa do caderno cultural com ela e me apaixonei pela sua visão libertária sobre temas de amor e sexo, por pura identificação. Eu também tinha umas idéias meio diferentes a respeito desses temas, que vieram a se ampliar ainda mais depois que a conheci. Fato é que a admiração foi recíproca e ficamos amigos. Em 2002, ela tentou emplacar uma revista sobre sexo chamada “Muito Prazer”, que infelizmente não passou do segundo volume. Nesta revista, ela me convidou para escrever uma coluna chamada “O amor na MPB”, na qual me sugeriu que eu fizesse justamente uma análise de como certos temas, tipo o da separação, eram vistos por nossos compositores no começo do século e hoje em dia; quem falou de uma forma mais libertária do tema e quem continua insistindo no peso do amor romântico idealizado. Era uma idéia excelente e pensei na ocasião: “Puxa, depois de uns dois anos de revista, eu poderia reunir essas crônicas todas num livro”. Como a revista não foi adiante, eu decidi não desperdiçar esta idéia e transformá-la num livro logo de uma vez.

- O livro analisa o amor e o sexo no cancioneiro brasileiro desde a maestrina e compositora Chiquinha Gonzaga (1827-1935) à funkeira cantora carioca Tati Quebra Barraco, num total de 1.300 músicas analisadas. Como foi realizar tal pesquisa?
- Na verdade, eu regressei bem mais no tempo. O livro começa no século XVIII com o nosso primeiro compositor a fazer uma mú
sica que podemos chamar de popular brasileira, da forma que conhecemos hoje, o Domingos Caldas Barbosa. E vem até hoje, não só retratando a Tati como outros funkeiros e também artistas da MPB mais tradicional. Há canções citadas no livro compostas entre 2005 e 2006 dos novos CDs de Caetano Veloso, Marina e Martinho da Vila, por exemplo. Como dediquei boa parte dos meus 34 anos à música brasileira, já tinha uma certa intimidade com seus mais variados gêneros, então tratei de pesquisar a parada de sucessos, ano a ano para não esquecer de nenhuma canção importante, viajar na minha memória afetiva de tantas canções e pesquisar gêneros os quais eu não tinha tanto conhecimento, como as músicas do início do século XX e dos séculos XVIII e XIX, tais como modinhas, lundus, maxixes e cançonetas de inspiração francesa. Depois classifiquei-as em temas e fui enquadrando-as em cada um dos sete capítulos idealizados por mim (O amor mal-resolvido; a mulher; o gay; a sensualidade; o duplo sentido e a sacanagem; o maxixe & o funk; e os transgressores em geral). Muita coisa ficou de fora, privilegiei as de maior sucesso ou as de letras mais curiosas que espelhassem melhor a evolução das mentalidades em relação ao nosso comportamento afetivo e sexual dos últimos 250 anos.

- Por que você decidiu privilegiar as letras das canções e não seu valor estético?
- Se eu fosse partir por uma linha de só citar músicas bem feitas, melodiosas, e com um tipo de poesia tida como de bom gosto, seria preconceituoso e falaria apenas da evolução de comportamento da classe média-alta bem pensante. Quis fazer um estudo mais abrangente e por isso fiz questão de citar fartos exemplos dos estilos mais populares, que em geral costumam ser os mais picantes, pois na classe mais pobre o sexo sempre foi encarado de uma forma mais natural até do que na classe média-alta, ainda que todos os estratos sociais sempre tenham gerado algum tipo de preconceito sexual nos mais variados momentos de nossa história.

- O livro mostra que amores sofridos, machismo e misógina sempre estiveram presentes dentro da MPB. Para você, estes preconceitos e lugares comuns tendem a desaparecer com o tempo ou permanecerão como temas de nossos compositores?
- Eu adoraria responder que sim, mas a humanidade é tão atrasada... Quando a gente pensa que ela vai andar pra frente, dá três passos para trás. Muita coisa mudou e muita coisa permanece igual, como nos primórdios da humanidade. Também há uma variação de região para região em nosso próprio país com setores mais avançados e retrógrados. Fora que ainda hoje há uma diferença muito grande entre o que se faz e o que se fala. Continua um preconceito em assuntos de sexo e ainda hoje o homem sempre pode muito mais do que a mulher. O homem garanhão é valorizado e a mulher que gosta de muitos parceiros é vista como “galinha”. Homossexualidade ainda é tabu na maioria de nossas cidades, apesar de ser tão praticada... Se os avanços do movimento feminista e gay são irreversíveis, ainda assim me parece que durante um bom tempo ainda haverá muito preconceito e tabus com relação à nossa sexualidade. E a nossa música vai continuar documentando o que faremos daqui para frente. É viver para crer.

- Dá para você citar algumas canções ou discos fundamentais para se observar o sexo e o amor dentro da MPB? E afinal, para você estes dois temas estão sempre atrelados ou acontecem de forma separada?
- A última música citada no livro é a balada “Amor e sexo”, de Rita Lee, Roberto de Carvalho e Arnaldo Jabor, grande sucesso de 2003. Uma letra sensacional que justamente diz que amor e sexo podem andar juntos, mas são independentes. E muita água rolou na MPB até que essas duas grandezas fossem encaradas de forma separada, dando muito o que falar. Citar uma ou outra música é difícil, só lendo o livro. Cada capítulo fala das músicas mais importantes com relação à sensualidade, duplo sentido, do sexo gay, do homem, da mulher, erotismo, pornografia, enfim... São centenas de músicas importantes e representativas. Aleatoriamente posso citar três de gêneros totalmente distintos: “Da cor do pecado”, de Bororó, exemplo raro de sensualidade nos anos 30, “Cavalgada”, de Roberto & Erasmo, bela cena de cama dos anos 70, e “Kátia Flávia, a Godiva do Irajá”, de Fausto Fawcett e Carlos Laufer, sobre uma prostituta poderosa em meio ao caos urbano carioca dos anos 80.

- Você parece fazer um elogio virtuoso e subversivo do lugar do feminino no mundo, através das letras de compositoras como Marina Lima, Joyce, Rita Lee etc. Afinal, o mundo está ficando mais feminino, mais poético (sem pieguismos) e cheio de infinitas possibilidades?
- Acho que estamos vivendo uma transição e tanto de costumes, pois o mundo mudou radicalmente em termos de comportamento nos últimos 30 anos. E a MPB prova isso. Ao invés de culpar a mulher por tudo que dava errado nos relacionamentos, como fizeram nossos compositores até o início dos anos 60, eles passaram nos 70 a vestir a sua camisa e falar de seus dilemas, problemas e de sua busca pelo prazer. Seja autores populares, como Odair José, Wando, Roberto & Erasmo, ou mais sofisticados como Gonzaguinha, Vitor Martins (com Ivan Lins), Aldir Blanc (com João Bosco), Fernando Brant (com Milton Nascimento), além de Chico, Caetano e Gil. As nossas compositoras também começaram a botar mais as manguinhas de fora - de Joyce, Fátima Guedes, Marina, Rita Lee e Ângela Ro Ro a Vanusa e Anastácia. Hoje, rola uma certa caretice no ar perto do que foi a MPB dos anos 70 e 80. Entretanto, vivemos - como já disse - um período de transição, de acerto de ponteiros. Depois de 5 mil anos de permanência do patriarcado no poder, o masculino está em crise, não sabe direito o seu papel. A mulher também ainda não sabe direito que homem ela quer. O gay também não sabe se quer ser a superfêmea ou o supermacho. Enfim, o mundo pode ter ficado mais feminino, mas a humanidade ainda está digerindo essa igualdade de direitos. E a MPB, de alguma forma, para o bem ou para o mal, é testemunha.

- Por que você decidiu explorar a temática gay no livro? Havia uma necessidade de explorar estas fronteiras quase sempre delicadas e cheias de tabus dentro da MPB?
- Claro. É preciso que o grande público - e não apenas o gueto homossexual - tome conhecimento de como canções de amor entre iguais ainda são pouco compostas e gravadas pelos nossos grandes intérpretes, ainda que tenhamos tantos artistas gays e bissexuais (não assumidos) na MPB. Existem muitas referências a personagens gays e lésbicos na MPB, principalmente a partir dos anos 70, mas as canções de amor bem resolvido, realizado, sensual e sem neurose entre iguais ainda são ínfimas. E isto me parece ridículo, visto que sempre fomos um povo dado a este tipo de sexo, desde o tempo do Brasil colônia. Não é por acaso que a epígrafe deste capítulo é o forró “Por debaixo dos panos”, gravado por Ney Matogrosso em 1982, que bem que poderia ser nosso Hino Nacional. Pois somos os reis da dissimulação.

- Quando Tati Quebra Barraco canta: “de ladinho a gente gosta/ se tu não tá agüentando/ pára um pouquinho/ tá ardendo/ assopra/ ou Dako é bom, Dako é bom/ calma é só marca de fogão”, não há de certa forma uma entrega como objeto do ser feminino ao discurso do mesmo, o homem?
- Acho que o neofunk carioca é pura diversão, pura sacanagem. Não dá para levar as coisas tão a sério. Os homens alfinetam as mulheres e elas respondem - às vezes com as mesmas armas dos homens. No fundo eles e elas só querem se seduzir e transar gostoso. São letras de pura libido adolescente, como já faziam Eduardo Araújo, Carlos Imperial, Erasmo Carlos e Renato e Seus Blue Caps na era da Jovem Guarda, ou Ultraje a Rigor, Blitz e Kid Abelha nos anos 80 e Raimundos nos anos 90. Só muda o ritmo, a época e a aspereza das palavras. Por outro lado, o neofunk pela primeira vez na música brasileira toca em alguns temas tabus, como o da mulher que releva a performance ruim do homem na cama ou de que a mulher não gosta tanto de sexo quanto o homem. Também já critica a guerra existente entre a mulher fiel e a amante de forma ultra-bem-humorada. Como diria Tati, “o tempo já é moderno e sexo tem que variar”. Atualmente, não acho o neofunk tão machista quanto se apregoa. É tudo uma questão de farra mesmo e as garotas sabem mais o que querem do que se possa imaginar.

- Você destaca nomes da atualidade que conseguiram de alguma forma se desvencilhar de certos chavões estereotipados do amor romântico, estabelecendo padrões de comportamento inovadores. Esta ruptura é importante em que medida para você?
- Não é que seja importante para mim, é importante, sim, para o Brasil inteiro (risos). Acho que falta agora a MPB mais intelectualizada e dita de bom gosto conseguir penetrar nesse campo e novamente transgredir - até de uma forma não tão adolescente, como no atual funk carioca, porém mais madura - certas questões sexuais e também abrirem a cabeça aos novos padrões de relacionamento afetivo entre as pessoas. As velhas balelas que o amor romântico prega: “amar até que a morte os separe”, “só é possível ter tesão por uma pessoa de cada vez”, “a traição é pecado mortal”, “o homem gosta mais de sexo que as mulheres” etc, tudo isso já está caindo por terra na vida real e na música brasileira parece que, entre os jovens autores, só a turma do funk percebeu isso. Resta rezar para que o padrão do pop/romântico e pop/light das FM imposto pela indústria, e que o nível de senso crítico de nossos letristas mais intelectualizados permitam que esses assuntos deixem de ser tabus e sejam também retratados numa MPB mais sofisticada, e não apenas na ultra-popular criada na periferia. Nossa língua portuguesa é sensacional e nosso cancioneiro tem um histórico espetacular de cronista nos assuntos de amor e sexo. Espero que as novas gerações levem adiante este bastão também no campo da ousadia em nossa música, porque na vida real os relacionamentos já estão mudando muito.

- A seu ver, há diferenças (de intensidade e forma) a serem destacadas entre as letras das canções de amor e sexo ditas “clássicas” (Chico Buarque, Milton Nascimento e Gilberto Gil) e as “bregas” (Wando, Odair José e companhia)?
- Na maior parte das vezes a suposta breguice da música está ligada ao fato de como ela é interpretada e no arranjo musical da mesma. Há incontáveis exemplos de músicas de Peninha, Odair José, Roberto Carlos e outros que quando são regravadas por um Caetano, uma Gal ou uma Bethânia viram outras canções. Em geral, o segredo está na intenção da interpretação - vocal e instrumental - mais do que em qualquer outro atributo musical.

- Gostaria que comentasse sobre o trabalho realizado por você na reedição de toda a discografia da cantora baiana Maria Bethânia este ano. Há outros nomes que necessitariam de um mesmo resgate?
- Tenho feito um trabalho bacana de reedições e compilações de grandes nomes da MPB da Era do Rádio e da turma que começou na MPB nos anos 60 e 70. Dou atenção especial aos encartes, sempre incluo textos informativos e se faço coletâneas dou importância à seqüência, para não virar um saco de gatos. A música brasileira é um baú sem fundo, e sempre haverá o que se resgatar e reciclar. No caso da Bethânia, trouxe de volta uma discografia essencial e que os fãs estavam desesperados para terem em CD do jeito que ela merecia ser reeditada com capas e encartes originais, todas as letras e informações de bastidores sobre cada álbum. Sou minucioso e perfeccionista, e acho que por isso Bethânia me autorizou a reeditar a sua obra inteira, num ano em que ela já tinha vários produtos no mercado ou ainda por lançar. Foram 34 cds em 3 gravadoras, vendidos de forma avulsa. Consegui realmente um feito inédito na indústria fonográfica. Nem eu mesmo sei como consegui. Acho que neste caso Mãe Menininha do Gantois ajudou lá de cima (risos).

- Quais são seus planos para o futuro?
- Em termos de livro, não pensei ainda. Estou digerindo este ainda. Quero que as pessoas o leiam muito e reflitam até sobre suas próprias vidas afetivas e sexuais. Em termos de CDs, tenho vários por lançar. Acabaram de sair duas coletâneas duplas lindas produzidas por mim, uma em homenagem aos 65 anos do Tremendão (“Erasmo 65 - Na Estrada”) e outra com gravações inéditas em CD de Claudette Soares (“A bossa sexy de Claudette Soares”), em que privilegio o tipo de bossa que ela gravou no auge da carreira, entre 1967 e 1971, um misto de samba-jazz, bossa nova, pilantragem e samba-rock muito moderno. Os próximos lançamentos são 13 CDs da série “As Divas”, da Warner Music, resgatando velhos vinis gravados na Continental e na Chantecler por grandes cantoras, como Emilinha Borba, Doris Monteiro, Isaurinha Garcia, Carmen Costa, Ângela Maria, Aracy de Almeida, Helena de Lima, Ana Lúcia e Vanusa. O resto é segredo! Me aguardem! (risos).

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Sons Eternos


Severino Dias de Oliveira saiu de cena como entrou: de cabeça erguida. Sanfoneiro, arranjador, instrumentista e compositor, o paraibano Sivuca (1930-2006), como ficou popularmente conhecido, empreendeu uma viagem pelos sons mais originais e ricos da recente história da música nordestina.

A quem interessar possa, basta conferir o dvd “O Poeta do Som” (Gravadora Kuarup). Produzido pela esposa do mestre, a cantora e compositora Glória Gadelha, as imagens captam um Sivuca musicalmente maduro, acompanhado por 12 conjuntos musicais paraibanos, durante uma apresentação ao vivo, no Teatro Santa Rosa, João Pessoa, em julho de 2005.

O dvd, que foi lançado no final do ano passado na Paraíba (PB), só agora ganhou edição comercial em todo território nacional. Trata-se do único registro audiovisual de Sivuca. Um momento de rara beleza criativa que flagra o mestre mergulhado no universo da música erudita e instrumental.

Convidados

Para compor o repertório de canções do dvd, praticamente o mesmo de seu último álbum de estúdio, “Terra Esperança” (Kuarup, 2006), Sivuca convidou doze grupos paraibanos distintos (camerata, quinteto de cordas, big band, sexteto de trombone, quinteto de sopros, quarteto de sax, quinteto de metais, orquestra sinfônica, grupos de jazz, choro e forró pé de serra).
São eles: Quinteto da Paraíba, Quinteto Uirapuru, Camerata Brasílica, Quinteto Latinoamericano de Sopros, JP Sax, Brasilian Trombone Ensemble, Sexteto Brassil, Valtinho e Poty Lucena, Banda amigos do Sivuca, Clã Brasil, Metalúrgica Filipéia e Orquestra Sinfônica da Paraíba. Além da participação de Glória Gadelha, parceira eterna, que soltou a voz em duas canções.

“Para mim, é o momento culminante na minha carreira. É uma satisfação grande, que eterniza tudo isso aqui na nossa Paraíba”, revela profeticamente Sivuca no disco, momentos antes de pisar no palco do histórico Teatro Santa Rosa.

Transes

Sivuca procurou concentrar uma infinidade de ritmos, valsa, samba-choro, forró, jazz brasileiro, modinha, baião, que buscam unir o popular e o erudito. Tudo embalado pelo suingue e improviso do mestre de pele e barba alvíssimas como nuvens. A magia cresce com o cenário alegre e exuberante que traz as cores fortes do Nordeste.

O mestre abre o show com a bela e lírica “Quando Me Lembro” (Luperce Miranda). Número solo que mostra um transe musical atemporal. O velho-novo artista com muita concentração, olhos fechados e dedos afoitos a dedilhar sua sanfona.
A festança prossegue com o baião alegre “Amoroso Coração” (Glória Gadelha), com o Quinteto da Paraíba, a tocante e pungente “A Doce Canção de Nélida”, com a Camerata Basílica, e “Comigo Só”, com Quarteto Uirapuru - ambas de Sivuca e Glória Gadelha.

Momento especial também em “Mãe-Africa” (Sivuca/Paulo César Pinheiro), com o Sexteto Brasil, em que o sanfoneiro faz uma releitura do clássico upakanga [ritmo originário da África do Sul], lançado há quase trinta anos, no álbum “Sivuca” (1978).

Sobra ainda o dueto fenomenal das sanfonas do paraibano e de Valtinho em “De Bom Grado” (Sivuca/Glória Gadelha). Arretada canção que tem como destaque a presença de Poty Holanda de Lucena no contrabaixo e Vilberto Soares na bateria. Sem falar, claro, da melancólica “Um Sol Em Mim” (Thaise Gadelha), canção onde o sertão se faz mais profundo.

O espetáculo prossegue com o telúrico arrasta-pé “Visitando Zabelê” (Sivuca/Glória Gadelha), com Clã Brasil, e “Terra Esperança” (Glória Gadelha/ Marilena Soneghet), trazendo a presença da sensacional Metalúrgica Filipéia, entre outras.

Voz e violão

Gloria Gadelha faz uma canja no final do espetáculo com sua “A Vida é Uma Festa”, parceria dela com o ex-Novos Baianos, Moraes Moreira. Voz e violão são acompanhados pela sanfona de Sivuca, Rucker Bezerra (1º violino), Marina Marinho (2º violino), Samuel Spinoza (viola), Kalim Campos (violoncelo) e Hercílio Antunes (contrabaixo). Em seguida, a compositora contagia a todos com a interpretação da valsa “João e Maria” (Sivuca/Chico Buarque), jóia rara da MPB, que ganha ritmo de frevo, com a presença do grupo Nossa Voz.

Clímax

Entretanto, o clímax do dvd fica por conta dos extras, que além do making off do show, traz mais dois números antológicos do mestre Sivuca. Desta vez acompanhado pela Orquestra Sinfônica da Paraíba.

Sob a regência do maestro Luís Carlos Duriê, o sanfoneiro mais uma vez surpreende com sua polivalência, talento e criatividade estilística. “Aquariana” (peça feita por ele para Glorinha) arrebata todos os presentes. O ciclo se fecha com “Feira de Mangaio” (Gloria Gadelha/Sivuca). Final apoteótico que nós presenciamos com olhos mareados.

Legado

As imagens registradas em “O Poeta do Som” comprovam a preocupação de Sivuca com a crescente evolução de sua música, voltada cada vez mais para o intimismo da música erudita e instrumental brasileira, sem com isso, abrir mão de sua marca fortemente popular e brejeira.
Este equilíbrio foi bem explicitado pelo próprio artista numa entrevista dada em 2004, ao site Gafieiras. “Estou integrado ao mundo e à família dos músicos chamados eruditos. Porque a música, essa história de erudição e de clássicos, são rótulos que vêm com o tempo, mas na realidade a música é dividida em duas: a boa e a ruim”. Este era o juízo de quem sabia exatamente onde queria chegar.

Sivuca passou pela escola da sanfona brasileira (Luiz Gonzaga, Mario Zan, Mário Gennari, Orlando Silveira, Dominguinhos) para depois beber na fonte de compositores eruditos nacionais (Heitor Villa Lobos, Radamés Gnattali, Camargo Guarnieri e Guerra Peixe). Criou sons endiabrados e eternos.

Foram mais de 50 discos lançados, entre arranjos, parcerias, composições etc. Alguns títulos tornam-se verdadeiros monumentos, bastaria citar “Sivuca e Rosinha de Valença” (1977), “Africanismo – Duo Negro & Sivuca” (1959) e “Chiko´s Bar – Toots Thielemans & Sivuca” (1986).

Uma carreira que começou de forma tímida, aos 15 anos de idade, mas ganhou o planeta. Seu trabalho alcançou momentos únicos ao lado de Benny Goodman, Mirian Makeba (autora da irrestivel sucesso internacional “Para-Pata”), Harry Belafonte e Marcel Marceau. Chegando a arrancar um elogio inusitado de um admirador famoso, o genial Miles Davis, então encantado pelo feddbak de Sivuca.

A morte do artista, ocorrida em 14 de dezembro de 2006, depois de mais de três décadas de luta contra um câncer na laringe, aos 76 anos de idade, finalizou uma das mais virtuosas trajetórias musicais brasileiras. Este “O Poeta do Som”, serve como uma celebração do artista com a vida, o amor e a arte. Documento histórico para gerações presentes e futuras. Saravá, Sivuca

Por que as rosas não falam?


Por que as rosas não falam? A partir desta indagação, surrupiada do título da canção homônima do nosso saudoso sambista Cartola, resolvi por o pé na lama, chutar a jaca, soltar os meus demônios no mar povoado de contradições da Net. O blog vem para somar, dividir, enlouquecer os apaixonados pela MPB. Saravá, malucos do planeta terra! Cheguei! Estou em trânsito, estou em transe, vou soltar minhas pombas giras, minha verve, minha poesia. Daqui para a frente, nada será como antes.