sexta-feira, 1 de junho de 2007

Com os pés na música


Não é fácil começar do zero. O cantor e compositor Zé Geraldo que o diga. Quase trinta anos depois de ter lançado seu álbum de estréia, Terceiro Mundo (CBS, 1979), ele quer tudo, tudo outra vez (alô, Belchior!).

Falando a partir da margem da grande indústria do disco, Zé lançou recentemente um brado de resistência (musical e existência): Com um Pé no Mato/Com um Pé no Rock, álbum em que registra inéditas e revisita clássicos de sua carreira, como "Cidadão", "Meiga Senhorita" e "Como Diria Dylan".

O trabalho traz ainda sua versão em DVD, fruto do show homônimo, gravado ao vivo na capital paulista, o primeiro da carreira do artista. A apresentação contou com o peso dos músicos de sua banda e também de um dos últimos bastiões da cena caipira musical do país, o compositor e cantor Renato Teixeira (alô, Romaria!).

O centro gravitacional da nova fase nasceu depois de ter parido seu CD “Tô Zerado”, lançado em 2004. O título revela um artista inquieto que já no aparente “fim” de sua caminhada, reitera sua profissão de fé novamente, para, com humildade e ironia, continuar resistindo aos assaltos do tempo cada vez mais predatórios de nossa selva cultural, política, social e futebolística - “Cê pensa que eu tô partindo/Eu vou começar do zero”, avisa Zé na contracapa.

Letras sociais e políticas continuam a ser centrifugadas no seu liquidificador de referências (Luiz Gonzaga, Bob Dylan, Raul Seixas e Tião Carreiro), fazendo aflorar rockões, toadas e letras nos ouvidos muitas vezes mofinos das novas gerações.

A entrevista que segue, foi feita em março do ano passado, quando Zé aportou Lavras (MG) para mais um show desta turnê. O Nada Será Como Antes a publica na íntegra.

O bate-papo, com esse senhor de cavanhaque e cabelos alvos como algodão, rolou no saguão do hotel onde ele estava hospedado, no centro da cidade, poucas horas antes de sua apresentação.

Naquele momento, enquanto grande parte das antenas de televisão da cidade e do país permaneciam falicamente apontadas para os reinos oficiais das falácias alienantes (aliciantes?) da Rede Globo de Televisão & Companhia (alô, Gugu Liberato e Fausto Silva!), o jovem-velho-artista se dispunha a falar sobre si, no meio de uma tarde quente, fria, morna, asperamente humana como sua obra.

Jogando milho aos pombos nas praças desses grotões terceiro-mundistas, o mineiro Zé Geraldo continua apostando suas fichas na possibilidade de tempos melhores. Vai daí, veio!

Como a música entrou na sua vida?
Quando eu vim para São Paulo, com dezoito anos de idade, eu já tinha escutado algumas músicas tocadas pelos meus tios. Cheguei à cidade pensando em jogar bola e acabei entrando em contato com outras músicas, como The Beatles, Bob Dylan, Luís Gonzaga e Ataulfo Alves.

Estes nomes foram uma referência para você?
A mais forte foi Bob Dylan, que ouvi pela primeira vez com meus tios na roça. Na hora, deu uma vontade também de ser o Tião Carreiro. Por isso, hoje, eu resumo a minha obra com um pé no mato e outro pé no rock.

Por que a escolha pelo pseudômino Zégê no início do seu trabalho?
Eu tinha aquele apelido e achava que deveria ser reconhecido por ele. Depois eu fui tocar na noite, nos bailes para aprender um pouco, desenvolver o meu lado de compositor e de cantor. Chegou um momento que aquele apelido não deveria ser colocado como meu nome artístico.

Duas de suas composições, "Rio Doce" e "Milho aos Pombos", foram feitos para dois festivais, um na Rede Globo de Televisão e outro no MPB Shell. Você sente falta desse segmento, visto que ele o ajudou a impulsionar sua carreira?
Não sinto falta desse tipo de evento na TV, acho que não tem mais razão de ser, pelo fato de ter muita ingerência das gravadoras. Agora, os festivais de música feitos no interior do país não possuem nenhuma interferência de empresas e são feitos por pessoas amadoras. São eventos fundamentais para a nossa cultura e nossa arte se renovar e fornecer novos valores.

Você teve duas músicas suas veiculadas em novelas da Rede Globo, Paraíso e Livre para Voar. Diz a letra de uma de suas composições recentes, "Tô Zerado," que você se sente feliz por não aparecer nos programas dominicais de Augusto Liberato, o “Gugu”, e no de Fausto Silva, o “Faustão”. Quando você afirma isso, não há um certo ressentimento, já que foi ajudado por esse tipo de mídia?
Eu não pedi para ninguém colocar a música na novela. Nunca fiz música encomendada para botar na televisão. É de praxe os produtores darem um tema para os compositores da “rodinha” musicarem. A minhas composições foram colocadas nas trilhas depois de gravadas. Agora, foi importante para mim? Claro que foi!(diz impaciente).

Houve de certa forma um saldo positivo desta exposição?
Sim, pois eu comecei a gravar com mais de trinta anos. Na época, as gravadoras diziam que minha música era muito séria. Eu comecei a ficar ressentido. Me achava um velho com essa idade. Acreditava que minha obra não tinha uma penetração no público mais jovem. Foi quando no meu quarto disco, minha música "Semente de Tudo", entrou na novela e trouxe esse público para o meu trabalho.

As coisas mudaram a partir deste instante?
Eu me desarmei. Costumava ir para os shows com barba por fazer e não me preocupava com minha aparência. Quando eu falo na letra que “sou feliz por não ter a ilusão de aparecer no Gugu e no Faustão” é porque eu cansei de bater na porta desses caras e não ser atendido. Tem uma hora que seu amor próprio fala mais alto: “Poxa cara, você é feliz. Tem tanta gente que gosta de você!”.

Quer dizer que você pode um dia aparecer nesses programas dominicais?
Vou numa boa. Eu criei mecanismos para ser feliz sem participar do grande bolo da música brasileira, que são esses programas dominicais. A cada três domingos aparece o mesmo cara. Eu não estou renegando o “sistema”, apenas não me dei bem com ele. Não cuspi no prato que eu comi.

As pequenas e médias gravadoras estão contribuindo para democratizar os espaços dos músicos e compositores? Fale um pouco sobre o seu selo, o Sol do Meio Dia.
Desde o meu sexto disco eu gravo com esse sistema. Criei uma editora que está no nome das minhas filhas. Isso é o caminho para a maioria dos artistas. A grandes gravadoras não existem mais e o jabá esta voltando de novo por meio delas. Não faço parte desse esquema e não tenho nada com isso. Sou independente mesmo com todas as minhas dificuldades. Graças Deus eu estou aqui, sonhando e realizando sonhos.

Você poderia apontar qual é o tipo de´público que acompnaha o seu trabalho?
Houve um período de grande predominância dos universitários. Hoje sinto que o público jovem muito importante dentro desse contexto. É um público que vai me renovando, me mostrando outras coisas. Quando você é fiel às pessoas, elas também são fiéis a você. Estou sempre na estrada rodeado de pessoas cantando as minhas coisas.

As letras de suas músicas têm uma temática social e política muita marcante. Como analisa a atuação do governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva?
Sinto-me um pouco frustrado porque o grande líder que apoiei e segui durante esses anos todos não se mostrou “tão grande” como eu imaginava. Depois de você sofrer tanto pela vida afora e, em determinado ponto, vê esse sonho ser sonhado por muita gente ruir aos poucos é muito frustrante. Espero que outras gerações possam ser mais bem sucedidas do que a minha.

Fale-nos um pouco seu mais recente álbum, o Pé no Mato/Um Pé no Rock, que também foi registrado em DVD.
Eu fiz o DVD por não aparecer muito na mídia. Muitas pessoas não me conhecem. Nele procurei registrar as minhas influências. Minha música nasceu no mato e ganhou influências na cidade. Os cenários do show foram temáticos. O vídeo vai mostrar um pouco quem sou eu.

Como é retornar para Minas Gerais, seu berço natal?
Você não pode renegar o seu torrão. A gente vai atrás da nossa história pelo mundo afora, mas é importante a gente reconhecer os valores que temos na nossa terra. O Estado de MG é muito importante dentro do país, principalmente dentro da cultura brasileira: na música, no cinema e na literatura. Quando volto para cá, me sinto em casa. Adoro estar no palco para encontrar as pessoas e fazer o que mais gosto: cantar e tocar.

2 comentários:

BLOG DO ZÉ ROBERTO disse...

Belissima matéria Marco Aurélio, parabéns pelo trabalho divulgando e entrevistando este que é para mim o maior cantor e compositor brasileiro. Viva Zé Geraldo!!!

Wanderlei Grenchi disse...

Parabéns Marco Aurélio Bissoli pela entrevista com o cantor e compositor Zé Geraldo.
Sem dúvida alguma, o Zé Geraldo é a prova viva de que se pode alcançar os objetivos da vida com honestidade, fidelidade e amor ao trabalho desenvolvido!

Repolho
Fã Clube Uai Bichinho