sexta-feira, 15 de junho de 2007

Vozes de Minas


Já vai longe aquela histórica noite de 1967, quando o jovem compositor e cantor Milton Nascimento despontou para o Brasil e o mundo, soltando sua voz no II Festival Internacional da Canção, no Estádio Maracananzinho (RJ), para um público deslumbrado diante de tamanha originalidade.

O que pouca gente sabia era que a reboque, o gênio criado em Três Pontas trazia consigo uma leva de letristas e músicos originalíssimo, amigos e parceiros, que mudariam a cara da MPB nas décadas vindouras, vindo a desembocar naquilo que ficou conhecido como o Clube da Esquina.

Um registro valioso dos desdobramentos destes acontecimentos acaba de ganhar a forma de um livro. A façanha se deve ao jornalista, roteirista e documentarista Paulo Vilara, autor do recente “Palavras Musicais – letras, processo de criação, visão de mundo de quatro compositores brasileiros, Fernando Brant, Márcio Borges, Murilo Antunes, Chico Amaral – Entrevistas” (editora do autor, 408 pág.).

Obra de fôlego que propõe uma viagem literária por meio de longas conversas, canções, imagens, poemas e discos que vasculham as gêneses de que são feitas as almas de cada um dos letristas retratados. Com sua força motriz, a narrativa desvenda mundos tão diversos quanto inusitados. Faz-se travessia. Palavra tão cara ao grupo.

Nossa reportagem bateu um papo-papo, através de e-mail, com Paulo Vilara, este mineiro na cidade de Caxambu, que desde o primeiro momento se mostrou generoso em suas palavras e gestos. Leia abaixo os principais trechos da conversa:

- O livro é resultado de nove anos de árdua pesquisa empreendida por você. Quais os motivos que o levaram a mergulhar neste universo tão rico e diverso que é a musicalidade mineira e nacional?
- Justamente essa riqueza de que você fala em sua pergunta. Em 2004 dirigi o documentário “Mil Sons Geniais”, que tratava da diversidade musical existente em Belo Horizonte. Vivo aqui desde a década de 1960 e vejo que há uma profusão enorme de talentos na cidade. Em todas as artes, não apenas na música. Aqui, a todo o momento os gênios cruzam conosco nas ruas. Estão próximos de nós, moram na casa da esquina ou no apartamento de cima. Os quatro compositores focados em meu livro são uma prova concreta disso.

-Quais as principais dificuldades para que o trabalho se concretizasse?
- Desde o primeiro momento, em 1998, quando tive a idéia, quis fazer um livro que fosse também um objeto de prazer para os olhos, com muitas imagens. Ou seja, a qualidade do projeto gráfico era uma necessidade imperativa. O que o tornaria – e tornou – um livro não muito barato para ser editado. Tem cerca de 400 imagens, em preto-e-branco e em cores. Primeiramente, isso exigiu uma criteriosa pesquisa iconográfica. Depois, elaborar projetos para conseguir patrocínio de empresas via leis de incentivo. Finalmente, obtidos os recursos (Cemig e MSA), contratar um artista gráfico capaz de executar a tarefa com a criatividade que o material levantado pedia. Neste sentido, Tavinho Bretas foi um parceiro fundamental: também músico – não profissional – amigo pessoal de Milton Nascimento e muito ligado à história do Clube da Esquina e ao movimento musical contemporâneo, não apenas deu conta do recado, como contribuiu com soluções da mais profunda inventividade. As páginas com reproduções de capas de discos são um bom exemplo da qualidade do trabalho dele.

- O Clube da Esquina sempre foi um acontecimento musical visto sempre sob uma ótica que valoriza letras, melodias e harmonias. No entanto, pouco valor é dado ao aspecto revolucionário dele, sobretudo nas letras das canções compostas no período da ditadura militar no Brasil. Para você, esta atitude contestatória do grupo consegue ser vista hoje com mais clareza?
- Tomando-se cuidado com o anacronismo, o tempo e a distância podem ser favoráveis à formulação de uma visão mais crítica e aprofundada dos acontecimentos. No caso de muitas das letras de canções do Clube da Esquina, eu trocaria o que você chama de “aspecto revolucionário” por atitude de resistência. E diria que as canções do Clube da Esquina merecem ser estudadas e analisadas sob vários pontos de vista. “Palavras Musicais” dá a sua contribuição. Mas há muito mais para ser feito e desvelado.

- O fato de Milton Nascimento permanecer no Brasil durante os anos de chumbo pode ter contribuído para criar um olhar de dentro para fora sobre o país, ao contrário de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo e tantos outros que tiveram que se exilar?
- Durante o longo período da ditadura militar no Brasil (1964-1985), a permanência de Milton, e de todos os demais integrantes do chamado Clube da Esquina, no país, contribuiu para dar força à resistência de muita gente. Naquela época, os shows de Milton Nascimento eram verdadeiras catarses coletivas. A respeito de canções compostas nesse período, com letras de Márcio Borges, Fernando Brant e Murilo Antunes, escrevi no livro que “muitas de suas letras de música eram como cartas abertas à população, denunciando e repudiando as barbaridades cometidas pelo governo militar e suas polícias, mas também alento a todos que lutavam para que o país retomasse os trilhos do respeito aos direitos humanos”.

- “Palavras Musicais” busca traduzir o universo pessoal e criador de quatro grandes personalidades da cultura brasileira. Depois desta longa travessia feita por você, qual a sua avaliação pessoal de cada uma delas?
- Se há um mérito no livro, creio ser este, o de expor as especificidades de cada um e mostrar as aproximações e as diferenças existentes entre Fernando Brant, Márcio Borges, Murilo Antunes e Chico Amaral. Depois de ler as entrevistas, é possível ver que cada entrevistado tem uma face, uma voz, uma personalidade, uma escrita próprias.

- A leitura da obra nos permite perceber que muitas manifestações artísticas marcaram a formação dos quatro compositores, como a literatura e a música. No entanto, nada se compara ao cinema. Podemos afirmar que a 7ª Arte desempenhou papel fundamental sobre o trabalho do grupo?
- Sim, todos eles são cinéfilos de carteirinha e muito influenciados pelo cinema. Nos anos 1960, Márcio Borges chegou mesmo a escrever sobre cinema e até a escrever roteiros e a dirigir filmes de curta metragem. Murilo Antunes teve participação ativa em várias produções de cinema em Minas Gerais. Fernando Brant confessa que tinha e ainda tem vontade de dirigir filmes. Chico Amaral diz que quer escrever roteiros. Como também sou cinéfilo, escrevi sobre cinema, roteirizei e dirigi filmes, entre nós as conversas sobre cinema surgiram da maneira mais natural possível.

- Ao tirar as letras das canções do seu contexto musical e jogá-las no espaço em branco da página, você sugeriu um outro olhar sobre as composições. Foi uma maneira de aproximar a poesia da letra de música, valorizando as palavras em seu estado bruto?
- Exato. Essa é a proposta central do livro: valorizar a palavra, as letras das canções. Por isso mesmo é que selecionei quatro compositores de letras (embora Chico Amaral também seja músico, e um músico talentoso) para entrevistar.

- Se há algo unânime em todas os depoimentos, é o fato dos entrevistados confessarem ter sido influenciados pela obra de Caetano Veloso. Na sua opinião, até que ponto o Clube da Esquina e o Tropicalismo trazem algo em comum?
- Quem confessou essa influência foram Márcio Borges e Chico Amaral. Portanto, não há unanimidade. Até porque o que mais busquei foi a não-unanimidade. Quis mostrar que, embora ligados de alguma forma ao Clube da Esquina, eles se diferenciam em vários aspectos. Tanto o Tropicalismo quanto o Clube da Esquina foram antagônicos à ditadura militar. Muitos de nós perdemos parentes, amigos e conhecidos na luta contra aquele regime de exceção. Houve muita dor naquele momento da história do Brasil. Mas vejo diferenças entre os trabalhos dos dois grupos: enquanto o Tropicalismo carnavalizou a dor, o Clube da Esquina mergulhou fundo nela. Sem juízo de valor, são atitudes políticas e estilos musicais bastante diversos. Talvez, complementares: duas faces da mesma moeda.
“...e eu apenas sou um a mais, um a mais
a falar dessa dor, a nossa dor”
(trecho de “Milagre dos Peixes”, de Nascimento e Brant)

- Pode se dizer que a metáfora do trem (um dos símbolos da mineiridade), utilizada por você na obra, foi uma forma de seduzir o olhar do leitor?
- Sim. Não apenas de seduzir o olhar do leitor, mas de trazê-lo para dentro da viagem, como quem compra uma passagem de trem disposto a apreciar a paisagem da janela.

- Há uma proposta semiótica no livro, que busca unir imagem, som e palavras num mesmo fio narrativo. Como você conseguiu chegar a este resultado?
- Como disse antes, desde o início tive a intenção de fazer do Palavras Musicais não apenas um livro de entrevistas e de informações referenciais para estudantes e pesquisadores interessados na canção brasileira, mas ao mesmo tempo um objeto que fosse prazeroso ao olhar. Essa era a intenção, mas intenção é apenas um ponto de partida, nada além disso. É no próprio fazer que a obra vai sendo construída. Aos poucos ou aos saltos. Nesse processo de elaboração surgem muitas idéias, caminhos variados para unir os fios das diversas meadas. Trabalhar (no caso, escrever e editar um livro) é estar aberto às descobertas e revelações que o próprio material de pesquisa lhe proporciona. Essa disponibilidade para as novidades eu tive o tempo todo. Parece ter sido uma atitude acertada.

- O que esperar da música mineira para os próximos anos?
- A renovação das artes, em especial da música, é permanente, constante. Noite dessas assisti à premiação final do VII BDMG Instrumental. Vi e ouvi lá pelo menos uma dezena de jovens de grande inventividade, tanto como compositores quanto como intérpretes. Além desses talentos que surgem, os “antigos” continuam por aí, caminhando e compondo.

- Quais os seus novos projetos para o futuro?
- Projetos são intenções, pontos de partida. Idéias não faltam, o importante é dar início ao processo de realização delas. Vou fazer uma curta metragem de ficção este ano, 2007. E há anos escrevo, reescrevo e devolvo à gaveta dois livros de ficção. Até 2015, se o mundo ainda não tiver acabado, é possível que ambos ou pelo menos um deles me diga: estou pronto, chegou a hora de sair às ruas!


Maiores informações sobre o livro podem ser obtidas através do e-mail: palavrasmusicais@yahoo.com.br

Um comentário:

Aubrac disse...

Oi Marco Aurelio, descobri seu blog agora. Vou produzir um documentario sobre o Clube da Esquina, acredito que seu blog sera uma boa fonte de pesquisa. Voce pode me passar seu e-mail pessoal? Espero poder contar com sua ajuda mais pra frente! Abraço
Fernanda Ribeiro