sexta-feira, 18 de maio de 2007

Festa de arromba


Verdade seja dita, nunca um movimento musical esteve tão presente na vida brasileira contemporânea como a Jovem Guarda. Discos, DVD’s e publicações sobre o tema continuam atestando o interesse cada vez mais crescente sobre o assunto.
O maior fenômeno de massa do país teve início há mais de quarenta anos, por meio de um grupo de jovens, capitaneados por Roberto e Erasmo Carlos e Wanderléa, que deixariam suas digitais impressas nas páginas da MPB.

Com seu visual kitsh e vanguardista, aquela turma de artistas criou uma nova forma de compor, cantar e gravar música, de se vestir, de falar, de ser do brasileiro. Resumo da ópera: foi graças a Martinha, Os Vips, Ronnie Von (embora este renegue ter participado da trupe), Deny & Dino, Renato e Seus Blue Caps, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani, Eduardo Araújo, Leno & Lílian, Sérgio Murilo e tantos outros, que o pop-rock auriverde é o que é hoje em dia.

Imagine se toda esta hecatombe juvenil atrevida e não menos inocente, surgida naquele domingo de 22 de agosto de 1965, às 16h30, no auditório da Rede Record de Televisão, pudesse ganhar as páginas de um volumoso livro?

Bem, foi isso o que fez o pesquisador Ricardo Pugialli ao lançar seu “Almanaque da Jovem Guarda” (Ediouro, 336 páginas), publicado no final do ano passado.

A obra, repleta de fotos, documentos inéditos, depoimentos dos próprios protagonistas, frases, datas e algumas histórias nunca antes reveladas, acaba de se transformar numa referência para as antigas e novas gerações.

Durante a entrevista ao Nada Será Como Antes, realizada por e-mail, Pugialli revela detalhes da construção do trabalho, comenta o legado deixado pelo movimento dentro da cultura nacional e fala do pioneirismo feminino da “Ternurinha” Wanderléa, que passou parte de sua infância em Lavras (MG).

A cantora, que teve a sua primeira estréia musical em um palco lavrense, voltou à cidade somente 35 anos depois de virar estrela da Jovem Guarda, no dia 16 de outubro de 1999. Na oportunidade, a “Ternurinha” fez uma apresentação histórica naquela noite para uma multidão na praça Dr. Augusto Silva, no coração central do município.

Leia abaixo, na integra a entrevista com Ricardo Pugialli:

- Como surgiu a idéia de escrever livro?
- Desde 1968 (com sete anos de idade), eu curtia Beatles. De repente, pintou um compacto na minha mão (ah, os velhos vinis), com uma canção “Era Um Garoto Que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones”, dos Incríveis. Era a minha canção. A partir daquele dia, eu passei a ouvir mais Jovem Guarda, além de ver o programa na TV. Cresci nos anos 70 curtindo hard rock, glitter, heavy, punk etc. Mas cresci com aquelas histórias da “alienação” e “deslocamento histórico” da Jovem Guarda em relação ao Brasil e sua história. Escrevi em 1992 um livro sobre os Beatles (o primeiro escrito especialmente para o público brasileiro). Em seguida veio a vontade de render as justas homenagens à Jovem Guarda e seus artistas, que são a base do rock no Brasil. E, em 1999, lancei meu primeiro livro sobre o movimento, contextualizando o movimento na história do Brasil e do mundo. Para esta nova edição, que virou o “Almanaque da Jovem Guarda”, eu formatei o livro original e acrescentei um livro inédito, “Os Arquivos Secretos da Jovem Guarda”.

- Fale um pouco sobre o seu processo de construção da obra? Quais foram as suas fontes de pesquisa?
- Inicialmente eu recorri à minha biblioteca particular, criando o esqueleto da obra. Depois, durante um ano e meio me tranquei na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, consultando tudo o que existia sobre o movimento. Depois foram os jornais e fontes de imagens. O passo seguinte foi a parceria com os colecionadores de vinis e revistas, em especial José Roberto “Oldies”, Valdir Siqueira e Nélio Rodrigues, que gentilmente abriram seus acervos. A última parte foi a conversa com todos os artistas, à exceção de Roberto Carlos, por motivo de saúde de sua esposa à época. Com tudo isso em meu banco de dados eu parti para a ordenação das informações e formatação do texto. Para a nova edição, eu tive a maior e mais preciosa fonte de consulta, que resultou em um livro inédito: o caderno de anotações que Roberto Carlos usou na boate Plaza, em 1959. Em torno das informações do caderno eu conto a pré-história da Jovem Guarda.

- Houve algum momento de grande dificuldade durante este período?
- Por incrível que pareça, não. Não tive nenhuma dificuldade. Pelo contrário, o problema foi selecionar o que iria entrar e o que não iria entrar na primeira edição. Para a nova edição o problema foi a formatação do texto, para ficar com a cara do almanaque. E selecionar novas imagens das centenas disponíveis.

- O livro traz novidades encontradas por você, contendo, por exemplo, a primeira letra da parceria entre Roberto e Erasmo Carlos, chamada “Maria e o Samba”. Qual foi a emoção destas descobertas?
- Bicho, nem posso te dizer como foi. Quando o Erasmo falou o nome da primeira composição dele e eu lembrar que estava naquele caderninho, foi indescritível. Seria como estar com os originais de “Yesterday” ou “Imagine” em minhas mãos. E tudo com a letra do Roberto, antes da fama!

- Qual o maior legado deixado pela Jovem Guarda para a música e a cultura nacional hoje?
Tudo. Comportamento, linguajar, vestuário, ritmo, estilo de compor, forma de gravar, performance, atitude. Se existe rock no Brasil, começou com a Jovem Guarda. Se existe música jovem romântica no Brasil, começou com a Jovem Guarda. Se existe guitarra na música do Brasil, obrigado à rebeldia da Jovem Guarda.

- O livro evita a fofoca e temas polêmicos que envolvem todos os ídolos daquele período. Você não teve receio de que o livro se tornasse um pouco chapa branca?
- Não. Eu quis trazer o que foi publicado na imprensa durante 10 anos (1958 a 1968). Tem fofocas, tem notícias bombásticas, tem fatos históricos, tem as carreiras dos artistas. Eu me propus a resgatar a importância histórica do movimento e de seus artistas. Eu não quis dizer que fulano “pegava” ciclana e vice-e-versa. Claro que isso acontecia e rolavam historinhas no livro. Mas eu não ia, em detrimento de um fato historicamente importante, colocar como eram as transas nos bastidores ou se rolavam orgias e drogas. Não era a idéia do livro. Eu quero que estes livros sejam obras de consulta durante décadas a frente. E não esquecidos daqui a um ano, pois tem uma nova fofoca “da hora”.

- Pelo fato de ser o principal vulto feminino da Jovem Guarda, qual a importância de Wanderléa dentro daquela cena musical?
- Ela foi uma pioneira na atitude feminista dos anos 60. Ela ousou nas roupas, ela ousou nas músicas, ela ousou no linguajar, ela ousou na performance. Ela dividia o palco com dois homens e era vista como o modelo pelas meninas. E foi odiada pelas mães. E lançou moda. Se não houvesse acontecido uma Wanderléa, o papel das meninas dos anos 60 teria ficado mais arraigado às tradições dos anos 50 do que nas ousadias dos anos 70.

- Você achou justa a celeuma criada entre Roberto Carlos e o autor de sua biografia não autorizada, “Roberto Carlos em Detalhes”, escrita pelo jornalista e pesquisador Paulo César de Araújo?
- O livro, por seu conteúdo histórico, tinha (e tem), tudo para ser um dos maiores livros de história recente. Mas, na minha opinião, usou cores fortes em certos pontos (até justificáveis por ser uma biografia “não” autorizada), que podem ainda render muito “panos para mangas”...

- Sua obra tem a intenção de simplesmente informar o leitor ou também de redimensionar criticamente o movimento da Jovem Guarda?
- Eu quis contextualizar a Jovem Guarda dentro da história do Brasil, rendendo a justa importância de seus artistas para a nossa música. E também quis falar de todos os jovens que um dia pegaram numa guitarra ou bateria e foram tocar rock por causa da Jovem Guarda. Hoje os filhos dos artistas que eram totalmente desconhecidos do grande público, podem ver o nome de seus pais no livro e dizer: “Nossa, o papai tocou mesmo na Jovem Guarda”. Estou cansado de ver o “ranço” contra o movimento, o despeito e o desrespeito para com seus integrantes e sua obra. É triste ver parte da imprensa até hoje menosprezar ou ignorar a Jovem Guarda. Por sinal, existe um jornal aqui do Rio de Janeiro que até hoje (de 1999 a 2007) não cita meu livro em seu Caderno dito “cultural”. Prefere ignorar o livro recebido de braços abertos por todos os artistas. Esta é mais uma discriminação contra a Jovem Guarda e seus defensores. Viva a Jovem Guarda!!!

- Quais são seus planos futuros?
- Em termos literários, lançar agora um novo Almanaque, sobre os Beatles, e terminar o livro sobre a participação de meu pai na F.E.B., durante a campanha do Brasil na Itália, na Segunda Guerra Mundial. Em termos musicais, eu sou o empresário de duas bandas cariocas: a Flaming Youth (http://www.kissrj.com/), única cover do Kiss maquiada do Rio de Janeiro, com turnê em 2007 por todo o país; e a Snow (www.myspace.com/snowhard), banda de hard rock que estará também em turnê nacional, lançando seu CD. Novidades em meu portal pessoal http://www.tucunare.bio.br/. É uma brasa, mora?

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