sábado, 25 de agosto de 2007

Toninho, o audaz



A conversa que segue é misto de sonho, realidade, duração permeada por palavras inesquecíveis, quiçá eternas. Ela é fruto do encontro de um repórter acanhado, brasileiro, 32 anos, diante de um dos totens sagrados da deusa música: o mineiríssimo cantor, compositor e arranjador Toninho Horta.

Na memória agitam-se ondas colossais – o gosto do mar de Minas vem à boca, trazendo ao cais da razão a data precisa daquele momento: sábado, 7 de maio de 2005. Nos acordes do violão de Toninho (tão absurdamente verde e amarelo) surgem sereias de canto casto e profano. O espírito de Aleijadinho nasce. Aquece.

Toninho esta à vontade. Veste uma camiseta larga, com motivos tropicais, contrastando com sua calça desbotada. Seu par de tênis parece saído da capa do primeiro álbum do amigo-irmão Lô Borges. Traz poeira de estradas e estrelas.

O compositor morde uma maça enquanto fala sobre a vida e a carreira. Ah, a memória...Sim...seus olhos faiscantes miram este escrevinhador, enquanto umas moçoilas se divertem à mesa de frios impecavelmente disposta no camarim.

Eis o registro daqueles fulgurantes momentos pré-show, rolado em Lavras, Minas Gerais, naquela exata data, bem abaixo da Linha do Equador. Caminhemos a pé ou de jipe, com ou sem nossas Dianas interiores, nos joguemos.


- Gostaria que você começasse falando de sua infância e adolescência.
- Nasci em Belo Horizonte em 1948. Desde criança eu ouvia música clássica. Minha mãe tocava modinhas mineiras no bandolim e meu pai no violão. Lembro daquelas destas de congado e de Folias de Reis de Minas Gerais. Eu sempre ouvir aqueles cantos barrocos que eram tocados.

- Quais foram as suas maiores influências musicais?
- Quando adolescente, comecei a ouvir jazz por influência do meu irmão mais velho, o Paulinho Horta, casado com a Gracinha Horta, presente neste show. Foi ele que “me colocou na roda” desta atividade profissional quando eu tinha 16 anos. Eu comecei a compor 13 anos de idade. Depois das primeiras composições fui para o Rio de Janeiro e lá participei de vários festivais da canção popular brasileira. Isto aconteceu junto de outros músicos como o grupo MPB 4e a cantora Joyce. No final dos anos 60, Alaíde Costa e Leny Andrade começaram a gravar músicas minhas. A partir daí, e ao longo destas mais de 30 anos me lancei como compositor e guitarrista.

- Este ano a cidade de Belo Horizonte está comemorado 40 anos do “Berimbau Jazz Clube”, um dos principais redutos da nata dos músicos mineiros, como Milton Nascimento, Nivaldo Ornelas, entre outros. Como foi, para você, participar de todos estes acontecimentos?
- Foi um acontecimento muito importante a existência do “Berimbau Jazz Clube”. Eu era na verdade o “mascote” dos músicos. Tinha 16 anos e não podia ficar lá dentro por causa da minha idade. Cheguei a entrar lá apenas uma vez e bem rapidamente. Mas sempre convivi com os músicos da geração de meu irmão que passaram por lá: o Nivaldo Ornelas, o Wagner Tiso e muitos outros. Todos faziam música para sobreviver e ganhar uma grana. Curtíamos muito jazz e compositores como Duke Ellington, Stan Getz, e cantores como Frank Sinatra e Ella Fitzgerald. O grupo do bar tinha uma cultura densa e rica. Foi aí que adquiri o meu gosto pelo jazz e desenvolvi meu caminho harmônico e o jeito de tocar.

- Conte-nos um pouco sobre a música “Manoel, o audaz”. Como ela foi composta e o que ela simboliza em sua obra?
- O compositor Fernando Brant sempre foi um grande poeta. E para cada compositor que ele trabalhava ele escolhia temas e tinha uma característica literária muito própria. Eu sempre fui uma pessoa simples e ligada ao lado telúrico da vida.Por isso, ele sempre fez letras das minhas músicas com imagens do cotidiano. Por exemplo, “Diana”, era uma cachorra dele. Já “Falso Inglês”, era uma gringa que estava cantando em certa ocasião. Na verdade, ele fazia letras sem me perguntar e quando eles chegavam era sempre uma surpresa. “Manoel, o audaz” virou hino. Ela história de um jipe, cujo modelo é de 1951. Mas a música foi feita nos anos 70. Ele expressa toda a vontade de ser livre, justo e amar a natureza e as pessoas. Uma das poucas músicas que combinei com Brant como seria a letra foi na canção “Céu de Brasília”. Foi engraçado por que na mesma hora que mostrei a música a ele, logo disse: “Olha, eu nunca fui a Brasília. Como vou escrever esta letra?”. Depois ele escreveu uma letra e era como conhecesse a capital federal de cor e salteado. As melodias inspiraram os poetas e o Brant sempre teve uma sacação muito grande com o meu trabalho.

- O Museu do “Clube da esquina”, projeto iniciado pelos membros do grupo de músicos mineiros da década de 70, recém fundado na capital mineira, está cheio de projetos bastante expressivos, buscando resgatar a memória afetiva e musical dos mesmos. Gostaria de saber se você tem participado deste projeto e como o analisa?
Estou participando. Sou um dos membros fundadores do “Clube da Esquina”. Na verdade, este movimento musical não foi uma coisa programada. Ele foi um acontecimento. Depois de uma década que o primeiro disco saiu, em 1972, tanto o público como a imprensa, começaram a reconhecer que aquilo era um movimento musical. Isto aconteceu devido ao grande número de compositores e interpretes talentosos deste que é, sem sombra de dúvida, um disco histórico para a MPB (Música Popular Brasileira). Depois veio o disco “Clube da Esquina 2”, em 1978. Um site foi lançado recentemente e ele foi criado justamente para os membros se reencontrarem e para podermos criar outros projetos para passar as gerações futuras o legado que criamos, vivemos e acabamos dedicando para outras gerações.

- Vocês já chegaram a cogitar o lançamento do “Clube da Esquina 3”, com uma nova geração de músicos, cantores e compositores mineiros?
- Esta pergunta foi sempre levantada, mas o Milton Nascimento, “o carro-chefe do movimento”, já afirmou que o “Clube da Esquina 3”, pode ser considerado seu álbum “Anima”(1982). Acredito que ele não tem vontade ou interesse mais de reunir as pessoas daquela época. Varias vezes eu tentei reunir Wagner Tiso, Lô Borges, telo Borges,, Beto Guedes, Flávio Venturini, mas sempre faltava o “Bituca”. A gente respeita a vontade dele. Agora, quem sabe poderemos ter em breve o “Clube da Esquina 4”? a questão é ter oportunidade. A única coisa que posso afirmar é que estamos todos disponíveis para que isso aconteça. É só o “chefe” chamar. É preciso dizer que a nova geração de músicos mineiros, apesar do destaque nacional, não tem uma ligação como “Clube da Esquina”. A não ser Samuel Rosa, vocalista do “Skank”, que foi vizinho de Lô Borges no bairro de santa Tereza, em belo Horizonte. Minas Gerais produziu uma variada gama de estilos e cada uma terá sua praia.

- Minas Gerais, desde muito tempo, vem produzindo compositores c cantores de renome. Poderíamos citar Ari Barroso, o “Clube da esquina” e mais recentemente bandas pop como Skank e Jota Quest. O Estado parece ter produzido uma sonoridade própria, diferente, por exemplo, da Tropicália. A que você atribuiria isto?
- Acontece que o mineiro não faz tanto estardalhaço. Nós somos muito de vender o peixe e costumamos fazer as coisas em silêncio. E quando a coisa é vanglorizada e valorizada, é que as pessoas se tocam da importância daquilo. A gente nunca quis divulgar o “Clube da Esquina” como um grande movimento. Mesmo porque cada membro tinha sua própria carreira ou mesmo a viu despontar a partir do movimento. Eu considero o “Clube da Esquina” um movimento mais importante musicalmente do que a Tropicália. Ele foi mais revolucionário na densidade musical. Com toda a certeza ele é o movimento musical, mais importante da segunda metade do século XX no Brasil. Tínhamos criatividade melódica, harmônica e rítmica. Os padrões rítmicos eram infinitamente superiores aos trabalhos musicais da Tropicália, onde a musicalidade ficava a cargo de Rogério Duprat, que acabou colorindo os arranjos das músicas de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Mas a importante de estética, de mudanças de hábitos, afinal, foram eles que colocaram a guitarra MPB.

- Ao longo dos últimos anos você tem dirigido seu trabalho para um público selecionado. Sua obra tem ganhado, inclusive, fama internacional. Como você analisa o momento musical brasileiro? Há espaço para trabalhos como o seu?
- Sou muito valorizado no Brasil. Mas acontece é que se o grande público conhecesse o meu trabalho ele poderia comprar mais discos e irem aos shows. Meu trabalho e amplo: vai do pop, passa pela bossa nova, o forró, entre outros. Lá fora a receptividade é muito maior. Consegui criar uma escola em diversas partes do mundo. Estarei nos próximos dias em turnê pela Áustria, Espanha, Escandinava, Dinamarca e Suécia. Em junho, eu volto para a Europa onde irei participar de vários projetos.

- É difícil fazer música instrumental no Brasil?
- Sou um músico privilegiado. Estou sempre viajando para fora e gravando com outros músicos e, hoje, sou uma referência para as novas gerações. O que me alegra e muito.
Isto é que significa que eu venda milhões de discos e faça dezenas de shows anualmente. O Brasil tem espaços ótimos onde os músicos instrumentais podem atuar. Além disso, há muitos festivais de jazz, programas de rádios culturais e universitárias que tem interesse na nova geração de músicas instrumentais no país. A música mais bem feita e cuidada é aquela feita pelos instrumentistas. Os cantores dependem de boa formação dos músicos. Sem eles, a música brasileira vai ficar muito “mal na fita”. Ela vem enriquecer as técnicas e as versatilidades dos músicos. A MPB é considerada, hoje, a música mais rica do mundo. Apesar de ela não estar na mídia, ela continua substanciosa e poderá alimentar as futuras gerações.

- A quantas anda o projeto de lançar o “Livrão da Música Brasileira”?
- O livro é um projeto que eu desenvolvi há 20 anos. Eu consegui um patrocínio para terminar a pesquisa ainda neste semestre e espero que o livro seja publicado ainda este ano.
A obra apresenta cerca de 700 partituras dos compositores mais importantes dos últimos 130 anos. Ele trará verbetes, indicações de referências de gravações, entre outras coisas. É um trabalho muito desgastante, mas motivante e enriquecedor. Graças ao Governo do Estado de Minas Gerais, a Cemig (Companhia Elétrica de Minas Geraes), da Civita, do Fundo Nacional de Cultura, que estão dando toda a credibilidade para o projeto, creio que até o final deste ano a obra vai chegar às livrarias, bibliotecas e universidades do país.

Como é para você retornar ao interior de Minas Gerais, no caso, Lavras, cidade bem próxima de Três Pontas, um dos berços do “Clube da Esquina” e terra natal, por adoção, de “Bituca”?
Lavras é um lugar onde eu sempre quis tocar. Acho que o teatro Lane-Morton tem até muitos problemas, pois o palco é alto e o som costuma retornar muito. Mas apesar de não ter um som limpo e uma acústica legal, eu estou muito feliz de estar aqui. Lavras é uma cidade que tem muitas universidades, um pessoal bonito, jovem e com garra. Estar no interior de Minas Geraes é uma maravilha. Aqui é ode reabasteço minhas energias para voltar para os trabalhos internacionais.

- Quais sãos seus planos para o futuro?
- Pretendo lançar um DVD ainda este ano. O trabalho é fruto de um show que aconteceu no Sesi Minas no ano passado. Devo também lançar mais um CD inédito. Este ano eu também já produzi a turnê do novo show de George Benson no Brasil. Nos conhecemos recentemente e nos tornamos grandes amigos. George Benson é um grande e talentoso músico de jazz. Ele é uma cara altamente musical.

Um comentário:

Anônimo disse...

intiresno muito, obrigado