sábado, 25 de agosto de 2007

Nas Quebradas de Nêgo Dito e Cia.


América Latina. Brasil. Estamos em Londrina, capital paranaense, na noite do dia 9 de março de 1973. As cortinas do Teatro Filadélfia se abrem para a estréia do show “Na Boca do Bode”, promovido por um bando de artistas locais talentosos, sufocados pelo regime militar vigente, que tentavam (re) fazer o novo, lançando seus dados em busca do acaso.

Foi pegando carona neste aparente insosso acontecimento, que flutuava fora de nosso eixão surrado Rio-Sampa, que Fabio Henriques Giorgio, paulistano, apaixonado por música, acabou por descobrir todo o embrião daquilo que alguns anos depois viria a ficar conhecido como a Vanguarda Paulista, cena musical cuja originalidade e ousadia fez arrepiar tanto o underground como o maistrean brasileiros.

Trocando em miúdos: a descoberta de um coro talentoso de músicos, cantores e compositores que unia experimentalismo e tradição. A pororoca estava formada. Itamar Assumpção, vulgo Nêgo Dito, Arrigo Barnabé, os grupos Rumo, Premê e Língua de Trapo, entre outros, plantavam suas bandeirolas na música (im) popular brasileira.

Estas e outras histórias estão contidas em “Na Boca do Bode – Entidades Musicais em Trânsito”, livro lançado por Fabio Henrique em 2006, através de recursos próprios e do PROMIC (Programa Municipal de Incentivo à Cultura) da Secretária Municipal de Cultura de Londrina (PR) e SERCOMTEL.

Na longa e substanciosa entrevista abaixo, Fabio Henriques descreve a construção de sua narrativa, analisa o legado musical e conceitual do movimento, a condição de marginal de Beleléu e revela nomes pouco ou nada conhecidos que estão fazendo a história da musica popular urbana e cosmopolita no Brasil de hoje. Divirtam-se.
- Como nasceu a idéia de escrever “Na Boca do Bode – Entidades Musicais em Trânsito”?
- Em meados de 2000, toca o telefone de casa e uma voz conhecida, antes que eu pudesse sequer identificá-la, me aborda com um tom de urgência: - Você topa pesquisar sobre o Lira Paulistana* comigo? Não recuei ante ao abrupto convite, mas antes que engasgasse expirei o ar em resposta: - Hã?! Claro, não foram absolutamente essa a pergunta, a resposta e os desdobramentos... O fato é que alguns meses depois, eu e meu amigo, o poeta e historiador Marcelo Montenegro, iniciávamos a pesquisa, que tomaria mais de três anos de investimentos numa obstinada busca, que renderia ainda várias interrupções e retomadas. Inevitáveis desvios de rota acabaram motivando a saída do Marcelo da empreitada – pelo menos ele aceitou o convite para escrever a apresentação do livro, afinal, foi graças à sua “proposta indecente” que eu me meti nessa enrascada... Na verdade, nascido quase assim, o projeto se transformou demais no intercurso dos acontecimentos. Primeiro, mudou-se o objeto. Depois, o suporte. Explico: ao descobrir a existência de um show coletivo que reuniu pela primeira vez num mesmo palco dois dos principais protagonistas daquilo que ficou conhecido como “Vanguarda Paulista” ou “Geração Lira Paulistana”, os compositores Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção, percebi ali algo singular, fundamental para a compreensão das estéticas e trajetórias deles e de seus contemporâneos. Conclusão: a pesquisa acabou revelando que um dos embriões do cenário cultural paulista do final da ditadura - que legitimou a intensa e inventiva produção musical sediada na cidade de São Paulo no início dos anos 80 - teria sido esse show coletivo paranaense de nome tão singelo: “Na BOCA do BODE”. Da idéia dessa pesquisa gerar um vídeo-documentário, materializou-se esse livro - um documento histórico que visa perpetuar e esclarecer alguns fatos recentes, a erupção de um dos momentos mais criativos e significativos da música brasileira pós-tropicalismo.

- Gostaria que você detalhasse como se deu à pesquisa de campo para chegar ao resultado final deste trabalho. Pintou muitas dificuldades ao longo de todo processo de composição?
- Basicamente, foi através de entrevistas, coletas de depoimentos - fiz mais de 50 entrevistas formais e informais, meu livro tem muito de história oral -, e da análise de documentos e jornais de época. O maior complicador foi cruzar as diferentes versões dos fatos relevantes, triar material, extrair alguma verdade significativa ou uma narrativa ao menos desse exercício. Esse entendimento é crucial para que novos pesquisadores e interessados em empreender semelhante aventura não se iludam à respeito dessa atividade e seus meneios. Quero dizer, é impressionante como quando elaboramos um projeto para tal ou qual finalidade não temos a menor idéia do tipo de problemas que enfrentaremos no transcurso dessa realização. Ou seja, cumprir um cronograma de trabalho sem atrasos consideráveis é tarefa hercúlea, quase impossível numa pesquisa com essa amplitude.

3 comentários:

Preludium disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Preludium disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Preludium disse...

Estou adorando os textos.
Um abraço da Deborah e Luciano