terça-feira, 17 de abril de 2007

Rio 40 Graus



No verão, nada melhor do que juntar praia, mar, sol, comida e música de qualidade em um mesmo ambiente, tendo como pano de fundo o Rio de Janeiro. A cidade, que foi sede de nossa capital federal, continua a seduzir quem quer que seja: nativos, turistas, poetas, atores, cantores, pintores, sambistas, enfim, todos.
Não há tempo que consiga apagar as marcas de um cenário de beleza, que a natureza criou (alô, Mangueira!). Nas suas geográficas formas de mulher, por entre praias, matas e montanhas, passado e presente se entrecruzam a cada esquina.
Pois é, o Rio continua lindo. Prova disso é a série de publicações da editora Casa da Palavra lançados recentemente. O trabalho mapeia três momentos significativos da vida carioca: a gastronomia de seus bares e botequins, o movimento musical e cultural da Bossa Nova e a relação de Chico Buarque e sua obra com a cidade.
Funcionando como uma rica fonte de informações, os volumes acabam também por se tornar um deleite visual e táctil para seus leitores, que, mesmo no aconchegado de suas poltronas, poderão viajar pela Cidade Maravilhosa a partir de qualquer ponto do País ou do planeta.

Um cantinho um violão

O pacote se abre com “Rio Bossa Nova – Um roteiro lítero-musical”, (156 pág.), do prestigiado jornalista, escritor e pesquisador carioca Ruy Castro. O livro reúne farto material sobre o gênero musical (1958-1965) surgido despretensiosamente das mãos de ótimos músicos noturnos da zona sul do Rio, como Jonny Alf, Tom Jobim e Newton Mendonça, além de outros tantos personagens que viraram lenda: Carlos Lira, Ronaldo Boscôli, Newton Mendonça, João Gilberto, Nara Leão e João Donato.
Ruy revela que a idéia do livro foi fruto de suas conversas de bar com amigos, quando era percebida a vontade que muitos turistas sentiam por revisitar lugares associados à Bossa Nova no Rio.
Servindo como um guia, a obra oferece um trabalho gráfico e iconográfico (fotos, objetos e documentos raros e inéditos) dos mais belos, mostrando onde se pode ouvir Bossa Nova hoje no Rio, os lugares importantes onde ela aconteceu e a localização de seus sítios arqueológicos já não existentes na cidade.

Só privilegiados tem ouvido igual ao seu

Segundo Ruy, o novo livro chega como uma novidade distinta, entre outros títulos por ele publicados sobre o tema, como “Chega de Saudade”, “Ela é Carioca” e “A onda que se ergueu no mar”.
“‘Rio Bossa Nova’ se propõe a exatamente isso: tomar o leitor pela mão e conduzi-lo pelos caminhos da Bossa Nova na cidade – pelas ruas, praias e casas onde ela é tocada. É um guia de endereços e roteiros para visitantes domésticos e estrangeiros”, avisa ele no prefácio.
Quem pensa que o gênero musical já viveu todo o seu momento de glória, pode tirar seu cavalo da chuva. O autor argumenta que nunca se ouviu tanto Bossa Nova no Rio quanto agora. Os points bossanovistas têm endereço certo em casas de show (Mistura Fina, Canecão e J. Club), bares e restaurantes (Casa Villarino, Bar do Tom), sebos (Sebo de Discos da Rua Pedro Lessa e Modern Sound), Cafés (Drink Café e Cotton Club Tabacos Café), entre outros.
Dá zona norte à zona sul, de leste a oeste. Não importa. Há sempre um lugar onde se pode visitar, curtir um ótimo som e comprar diversos produtos ligados ao gênero musical que representou um divisor de águas na chamada linha evolutiva da Música Popular Brasileira.

Tudo é verão e o amor se faz

“Rio Bossa Nova” mostra ainda curiosidades sobre os mitos musicais da época e sua relação criativa e afetiva com a cidade. Nele se descobre, por exemplo, as “peregrinações errantes” de Vinícius de Moraes pelos mais variados bairros cariocas: Botafogo, Ilha do Governador, Ipanema, Laranjeiras e Gávea.
Tem ainda a amada Ipanema do Tom Jobim. O bairro serviu ao “maestro soberano” como morada durante boa parte de sua vida e refletiu profundamente nas suas composições. Foi ali que nasceram clássicos de sua autoria ao lado de outros parceiros: “Chega de Saudade”, “Estrada do sol”, “Teresa da Praia” e “Caminhos Cruzados”.
Bom não esquecer de Copacabana, berço da Bossa Nova. Com sua maestria descritiva, Ruy mostra onde se encontra o endereço do lendário apartamento da musa Nara Leão. O apê serviu como trincheira para patota de músicos bossanovistas e a fina flor da elite carioca na década de 60. “Nara só podia promover aqueles saraus diários, que não tinham hora para terminar, porque seu pai, o advogado capixaba Jairo Leão, era um homem liberal”, esclarece o autor em seu texto.

Cidade (s)

“Chico Buarque - Cidade Submersa” (160 pág.) é outro dos lançamentos da editora carioca. O livro contem textos da jornalista Regina Zappa, baseadas em entrevistas com o artista, e também um ensaio fotográfico de Bruno Veiga. Tudo costurado por 30 letras do cantor e compositor carioca.
A edição, cujo trabalho de arte ficou cargo de Christiano Menezes, traduz de forma soberba, por meio de imagens, letras de canções e histórias, um Rio de Janeiro bem conhecido de um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos.
“O menino Chico, nascido no Catete, no Rio, morador do Lido, em Copacabana, até os 2 anos de idade, quando foi morar com a família viver em São Paulo, mal podia esperar o fim das aulas para se lançar na estrada com os irmãos e, com o coração aos pulos”, percorrer todas as paisagens do caminho entre a capital paulista e a Cidade Maravilhosa”, revela Regina, no livro.
Ela apresenta detalhes interessantes que remontam a infância e adolescência do compositor na cidade do Cristo Redentor. Copacabana, Ipanema, Arpoador, diz a autora, foram se mostrando a ele na medida em que crescia e se maravilhava com suas belezas.

Fala Rio

Regina teve o mérito de conseguir romper a conhecida discrição de Chico para falar sobre vida pessoal, fazendo com que sua trajetória artística e pessoal pudessem ser admirados numa quase intimidade.
Ao lado da autora, passeamos por bairros, carnavais, praias, que desembocam em sua obra gigantesca, que desde seus primórdios, esteve ligada ao Rio. O processo de criação do artista está também registrado no livro. “A essa altura não dá mais para brincar com isso. De fazer por fazer. Faço quando quero e quando me dá prazer”, responde um maduro Chico, em determinado trecho de “Cidade Submersa”.
Proliferam na edição os exemplos de letras e canções que já fazem parte do imaginário carioca e nacional: “Deus é um cara gozador, adora brincadeira/Pois pra me jogar no mundo, tinha o mundo inteiro/mas achou muito engraçado me botar cabreiro/Na barriga da miséria nasci batuqueiro (brasileiro)/Eu sou do Rio de Janeiro” (“Partido Alto”, 1972), “Rio de ladeiras/Civilização encruzilhada/Cada ribanceira é uma nação” (Estação Derradeira, 1987) e “Dois irmãos, quando vai alta a madrugada/E a teus pés vão-se encostar seus instrumentos/Aprendi a respeitar sua prumada/E desconfiar do teu silêncio” (Morro Dois Irmãos, 1989).
“Cidade Submersa” ganha fôlego também através do olhar acurado do fotógrafo Bruno Veiga. A plasticidade e a beleza de suas imagens conseguiram flagrar a essência do cancioneiro buarqueano, com suas nuances políticas, sociais, amorosas e cotidianas, sempre engendradas nos “desvãos” da cidade.

Pés sujos

O desfecho se encerra com o volume “Rio Botequim – Os melhores petiscos e comidas de bar” (152 pág.), de autoria de Guilherme Studart. Trata-se de um projeto da Casa da Palavra e Memória Brasil.
Em 1997, Studart, que é amante da gastronomia, com ênfase nos botequins cariocas, decidiu criar um guia para os apreciadores deste tipo de segmento, que a cada ano que ganha mais força na capital fluminense.
“O universo relativo à comida de botequim, além de apaixonante e saboroso, é extremamente vasto, de uma riqueza inesgotável”, destaca o autor em entrevista à Casa da Palavra.
A edição acabou se tornando uma marca registrada da cidade, servindo de referência para um público selecionado, tais como boêmios, turistas, donos de bares, chefs de cozinha, jornalistas, críticos gastronômicos e curiosos em geral da chamada “baixa gastronomia carioca”.

Cara nova

Em sua 7ª edição, “Rio Botequim” mostra 20 pratos que são sensação entre os paladares cariocas. O guia é dividido em 4 categorias: petiscos e tira-gostos, caldos e sopas, sanduíches e pratos principais. Ao contrário das edições anteriores, em que os estabelecimentos eram avaliados e selecionados a partir de diversas categorias, o novo trabalho busca valorizar, sobretudo, a culinária dos botecos e suas histórias, sem priorizar o ambiente, as bebidas e o serviço.
Para Studart, mais do que lazer e diversão, estes ambientes oferecem uma reflexão sobre o modo de ser do fluminense. “Inegavelmente, os botequins fazem parte da cultura carioca e representam uma espécie de patrimônio afetivo da cidade, referência para seus habitantes, para os quais é um elemento essencial da vida cotidiana”, avalia ele, no mesmo depoimento.
Nos 71 botequins citados no livro, pode-se encontrar de tudo. O que não falta são opções: sardinha frita, bolinho de bacalhau, sanduíche de pernil, feijoada, cabrito assado, rabada de agrião, risoto de camarão, entre outros.
Além de mostrar a tradicional gastronomia carioca, “Rio Botequim” ressalta o clima destes espaços (seus freqüentadores e sua magia interior) através de agradáveis ilustrações. Isso pode ser constatado em casas como Arataca, Amarelinho, Bigode, Jiló, Lamas, entre outras.
Que o leitor não se engane: o Rio continua lindo de verdade. Basta conferir estás paginas todas. Simplesmente imperdível!

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