Bem vindos em vindos ao ano de 1986. Depois de mais de trinta anos sob o julgo de uma das mais sangrentas ditaduras militares da América Latina, o Brasil começava a se abrir politicamente. Tancredo Neves já havia saído dessa para melhor e o então presidente José Sarney tentava dar uma arejada na casa com a criação do Plano Cruzado, que previa o tabelamento de preços e salários.
A realidade, porém, era diferente nas ruas. Desemprego e alta inflação jogavam o país num abismo sem fundo e mostrava a fragilidade de um Estado vítima do seu próprio atraso e ignorância. Nem mesmo a Copa do Mundo do México daquele ano animava a torcida verde e amarela.
Na tv, o lixo cultural das últimas duas décadas começava a aflorar de forma ascedente em programas como o Xou da Xuxa, da Rede Globo de Televisão. Já na música, tudo era divino, maravilhoso e rejuvenecedor. O rock tupiniquim estourava nas FM’s. Bandas novas surgiam e redimensionavam padrões estéticos, musicais e comportamentais – leia-se Ira, Legião Urbana, Blitz, Barão Vermelho, Kid Abelha, Paralamas do Sucesso, ufa!
Um fato ocorrido em junho daquele ano, no entanto, iria marcar para sempre a história da pop/rock brazuca. Foi o momento em que chegava às lojas o álbum Cabeça Dinossauro, do grupo paulistano Titãs, o terceiro da carreira do conjunto.
Seus oito integrantes, Nando Reis (baixo e voz), Arnaldo Antunes (voz), Toni Bellotto (guitarra), Paulo Miklos (baixo e voz), Sérgio Britto (teclados e voz), Charles Gavin (bateria e percussão), Branco Mello (voz) e Marcelo Fromer (guitarra), colocariam ali a pedra que faltava na catedral do pensamento pós-tropicalista.
Mundos contrários
A ilustração da capa e contracapa do novo trabalho, retirada de dois desenhos do gênio renascentista Leonardo da Vinci, intitulados "Expressão de um homem urrando" e "Cabeça grotesca", traduzia a atmosfera dos arranjos, das letras e idéias do grupo.
O disco representava uma espécie de metáfora das oito personalidades que se revezam no processo criativo da banda, mostrando a sua diversidade paltada por elementos orgânicos, racionais, dionisíacos e apolíneos. Mas não apenas isso, ela representava bem os anseios de mudança de uma geração que queria encontrar saídas para o impasse brasileiro.
Era preciso exorcizar os demônios interiores. Acordar a besta-fera de nós mesmos, radicalizar sem ser radical e beber o nosso copo de cólera. Este parecia ser o tom que impregnava todas as canções. Cabeça dinossauro (...) /Pança de mamute (...)/ Espírito de porco”. Assim sentenciava a faixa-título, como num mantra (o instrumental foi adaptado de uma peça musical de uma tribo de índios no Xingu), na voz de Branco Mello.
Como também no primitivismo criativo da letra de Aa Uu. “Au Uu Aa Uu/ Estou ficando louco de tanto pensar/Estou ficando louco de tanto gritar”. O vagido sonoro da banda desestruturava as bases sólidas de um modo de fazer música no país até então adormecido e tacanho.
Tripé
Três temas fundamentais permeiam Cabeça Dinossauro: o Estado, a religião e a família. As letras em grande parte faziam referência aos cacos de uma civilização perdida, industrializada, urbana e decadente. “Homem em silêncio/ Homem na prisão/ Homem no escuro/ Futuro da nação”, provocava Paulo Miklos, na já clássica Estado Violência. Desencantamento este que também aparece nas canções Tô Cansado, A Face do Destruidor e Porrada.
Sem contar, claro, com o nonsense da banda, seu aporte musical pesado e ligeiro como um murro no estômago. “Desde os primórdios/ Até hoje em dia/O homem ainda faz/O que o macaco fazia/ Eu não trabalhava, eu não sabia/Que o homem criava e também destruía”, ilustrava a letra de Homem Primata.
A realidade, porém, era diferente nas ruas. Desemprego e alta inflação jogavam o país num abismo sem fundo e mostrava a fragilidade de um Estado vítima do seu próprio atraso e ignorância. Nem mesmo a Copa do Mundo do México daquele ano animava a torcida verde e amarela.
Na tv, o lixo cultural das últimas duas décadas começava a aflorar de forma ascedente em programas como o Xou da Xuxa, da Rede Globo de Televisão. Já na música, tudo era divino, maravilhoso e rejuvenecedor. O rock tupiniquim estourava nas FM’s. Bandas novas surgiam e redimensionavam padrões estéticos, musicais e comportamentais – leia-se Ira, Legião Urbana, Blitz, Barão Vermelho, Kid Abelha, Paralamas do Sucesso, ufa!
Um fato ocorrido em junho daquele ano, no entanto, iria marcar para sempre a história da pop/rock brazuca. Foi o momento em que chegava às lojas o álbum Cabeça Dinossauro, do grupo paulistano Titãs, o terceiro da carreira do conjunto.
Seus oito integrantes, Nando Reis (baixo e voz), Arnaldo Antunes (voz), Toni Bellotto (guitarra), Paulo Miklos (baixo e voz), Sérgio Britto (teclados e voz), Charles Gavin (bateria e percussão), Branco Mello (voz) e Marcelo Fromer (guitarra), colocariam ali a pedra que faltava na catedral do pensamento pós-tropicalista.
Mundos contrários
A ilustração da capa e contracapa do novo trabalho, retirada de dois desenhos do gênio renascentista Leonardo da Vinci, intitulados "Expressão de um homem urrando" e "Cabeça grotesca", traduzia a atmosfera dos arranjos, das letras e idéias do grupo.
O disco representava uma espécie de metáfora das oito personalidades que se revezam no processo criativo da banda, mostrando a sua diversidade paltada por elementos orgânicos, racionais, dionisíacos e apolíneos. Mas não apenas isso, ela representava bem os anseios de mudança de uma geração que queria encontrar saídas para o impasse brasileiro.
Era preciso exorcizar os demônios interiores. Acordar a besta-fera de nós mesmos, radicalizar sem ser radical e beber o nosso copo de cólera. Este parecia ser o tom que impregnava todas as canções. Cabeça dinossauro (...) /Pança de mamute (...)/ Espírito de porco”. Assim sentenciava a faixa-título, como num mantra (o instrumental foi adaptado de uma peça musical de uma tribo de índios no Xingu), na voz de Branco Mello.
Como também no primitivismo criativo da letra de Aa Uu. “Au Uu Aa Uu/ Estou ficando louco de tanto pensar/Estou ficando louco de tanto gritar”. O vagido sonoro da banda desestruturava as bases sólidas de um modo de fazer música no país até então adormecido e tacanho.
Tripé
Três temas fundamentais permeiam Cabeça Dinossauro: o Estado, a religião e a família. As letras em grande parte faziam referência aos cacos de uma civilização perdida, industrializada, urbana e decadente. “Homem em silêncio/ Homem na prisão/ Homem no escuro/ Futuro da nação”, provocava Paulo Miklos, na já clássica Estado Violência. Desencantamento este que também aparece nas canções Tô Cansado, A Face do Destruidor e Porrada.
Sem contar, claro, com o nonsense da banda, seu aporte musical pesado e ligeiro como um murro no estômago. “Desde os primórdios/ Até hoje em dia/O homem ainda faz/O que o macaco fazia/ Eu não trabalhava, eu não sabia/Que o homem criava e também destruía”, ilustrava a letra de Homem Primata.
Instituições outrora sacralizadas e intocáveis, como a Igreja Católica e a Polícia brasileira eram questionadas. Reivindicava-se um outro modo de encarar e seduzir a vida que agonizava a olhos vistos. Era ali, apesar das “pulgas” e “baratas”, a “proliferação das pestes”, que ela acontecia e se dava.
Rumos
Com a estréia de Liminha na produção, ex-Mutantes, a obra conseguiu transmitir o espírito da banda, que funcionava de maneira mais eficiente quando se apresentava ao vivo.
O disco também foi um passo importante na carreira dos Titãs. Era um sinal claro de seu amadurecimento depois de dois álbuns lançados, apresentações em programas televisivos, como Chacrinha e Clube do Bolinha, e uma boa receptividade do público.
Na verdade, a banda singrava mares tranqüilos até então e agora almejava um novo Norte. Queria se aventurar pelo reino do improvável. Na época de seu lançamento, Cabeça Dinossauro chegou a causar estranhamento em muitas rádios do país, que se recusavam a tocar o repertório do disco. Uma das faixas, Bichos Escrotos, chegou a ter sua radiodifusão proibida pela censura da época. Mesmo assim o trabalho vendeu 300 mil cópias e garantiu um disco de ouro para banda.
Poesia
Além da crueza de seu som, a obra apresentava também fortes traços de influências que passavam pela Poesia Concreta paulista, o Cinema e as Artes Plásticas.
As palavras, como objetos que se perfilavam aleatoriamente, conjugavam tempos, espaços e desejos. “O que não pode ser que/Não é o que não pode ser/Que não é o que/ O quê ?/ O quê?/O quê?/ Que não é o que não pode ser que não é”, soava a belíssima O que.
Corações e mentes
Mais do que demarcar territórios no rock brasileiro, Cabeça Dinossauro deve continuar chamando a atenção de novos ouvintes. Tudo leva a crer que Cabeça Dinossauro servirá como lanterna de popa para os marujos que se aventurarem pelo universo do pop/rock nos próximos 20 anos. Quem viver, verá!
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