Sexta-feira, dia 9 fevereiro de 2007. Mais uma tarde de verão. Passa das 18h 30, mas o sol persiste. Provoca suor e desconforto. O ônibus, que traz a banda 14 Bis a Lavras, Sul de Minas Gerais, pára na frente de um hotel, no centro da cidade. O grupo, vindo de Belo Horizonte, se prepara para mais um show no auditório Lane Morton, no Instituto Presbiteriano Gammom, na mesma noite.
Quando a porta do veículo se abre, surgem membros da equipe de produção da banda trazendo bagagens. O guitarrista Cláudio Venturini, o baterista Hely e o tecladista Vermelho são os primeiros a despontar na calçada em direção a entrada do hotel. O último a chegar, perdido no pequeno tumulto de vozes, é o baixista Sérgio Magrão.
O "Nada Será Como Antes" acompanha tudo de perto. Faz 90 longuíssimos minutos que esperamos a chegada da banda para uma entrevista, que foi acertada previamente com a produção lavrense responsável pelo show.
Começa o sobe e desce de elevadores. Nos rostos de toda a equipe o cansaço da viagem. O atraso do conjunto desencadeou o que todos já pressentíamos: o bate-papo com o 14 Bis teria de ser adiado para depois do show.
Resignados, eu e um amigo (que trazia alguns LP´s originais do grupo Terço para serem autografados pelo ex-integrante Sérgio Magrão), decidimos dar meia-volta. Teria de ser naquele clima pós-show, sob o peso da adrenalina, que poderíamos encontrar o quarteto mineiro.
O papo, que você confere abaixo, rolou no corre-corre do camarim improvisado da instituição lavrense. Na fala de cada integrante: muitas idéias, lembranças de momentos históricos e vontade de continuar tocando e produzindo música de qualidade.
A principal novidade é o lançamento do primeiro DVD da banda. Gravado ao vivo no último dia 23 de dezembro do ano passado, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, o trabalho serviu para comemorar os 26 anos de criação do 14 Bis.
- Vocês completam 26 anos de carreira este ano. A convivência do grupo depois de tanto tempo ainda é a mesma?
- Magrão: A partir do momento que você gosta do faz e há uma amizade grande, isso fica resolvido. O talento, a coisa de criar e fazer música, isso flui naturalmente.
- Como foi gravar o primeiro DVD da banda?
- Magrão: Havia uma cobrança do nosso público para que fizéssemos o DVD. O 14 Bis sempre quis ver seu trabalho registrado em vídeo. Foi uma coisa dolorosa porque envolveu a Lei Rounaut e a questão de patrocínio, onde existe todos os tramites legais e a burocracia.
- Vermelho: O Aécio Neves é uma pessoa esclarecida e está cuidando da cultura mineira. Ele nos deu uma força para realizar este projeto. O difícil vai ser divulgá-lo na grande mídia. A gente vai poder aparecer na Rede Globo de Televisão só pagando jabá. O único programa televisivo que a gente vai fazer é o do Raul Gil.
- O panorama da música mineira hoje lhes agrada?
- Vermelho: A MPB e a música mineira são ótimas. Em Belo Horizonte, tem nego cantando de tudo que é jeito: o Gabriel Guedes tocando chorinho, o Marcus Vianna fazendo trilha para novela, o Skank, o Jota Quest, Flávio Venturini, Lô Borges, Beto Guedes e Paulinho Pedra Azul. Acontece que a cultura do País está um pouco jogada de lado. Não sei se é culpa do Gilberto Gil (Ministro da Cultura), mas não está sendo do jeito que a gente esperava.
- Vocês foram uma das bandas pioneiras a investir na vanguarda tecnológica, gravando alguns de seus álbuns fora do País. Como anda este processo hoje?
- Vermelho: Antes de gravar o DVD, nós estivemos nos Estados Unidos, onde cada um trouxe um laptop. Os sons de teclados hoje são produzidos por computador. A produção da gravação do DVD reuniu profissionais importantes, como o iluminador, que trabalhou com Sting e Paul . O DVD foi mixado no estúdio Mox, em São Paulo, o melhor do Brasil.
- O mercado fonográfico atual atravessa uma de suas maiores crises (queda na venda de CD´S, pirataria, novas mídias digitais). Para vocês, está mudança é positiva ou negativa?
-Vermelho: Os caras pirateam geralmente discos sertanejos. O público da gente vai comprar o DVD original. Já a cópia pirata poderá atrair um tipo de platéia que não conhece nosso trabalho para os shows.
- Magrão, como nasceu à canção “Caçador de Mim”, em parceria com Guarabira?Ela lhe rendeu um bom retorno financeiro por causa dos direitos autorais?
- Magrão: Eu teria ficado rico se tivesse criado está música nos Estados Unidos ou na Europa. Agora aqui, continuo do mesmo jeito. Compus a música em São Paulo. Demorei mais de um ano para mostrá-la para alguém, pois tenho sempre uma preocupação de achar que uma canção se pareça com outra. Minha produção é um pouco menor, pois sou empresário da banda. Nós fazemos de 80 a 90 shows por ano no Brasil há 20 anos. É mal, mas alguém tem que tocar o barco, ou melhor, o avião (risos).
- Como é estar se apresentando em Lavras mais uma vez?
- Cláudio Venturini: É sempre muito bacana. Nós tocamos neste mesmo palco há 24 anos atrás, quando estávamos no auge do sucesso. Nós não esperávamos um público tão grande. As pessoas subiram nas poltronas ensandecidas. Ficou muita coisa destruída. Trago de memória que o pastor responsável na época pelo Instituto Gammom, disse que aquela era a primeira e a última vez que o grupo tocava ali.
- A banda manteve um contato breve com o cantor e compositor Renato Russo, durante um de seus álbuns nos anos 80. Qual a lembrança que vocês guardam de sua pessoa e do seu legado artístico?
- Hely: Renato Russo era um artista talentoso, que fez a cabeça de muita gente. Ele era uma pessoa muita engraçada, super alegre. Quando o conhecemos, fazia pouco tempo que ele fazia parte do casting da EMI. Ele parecia àqueles carrinhos de brinquedo bate-e-volta. Sua morte foi uma perda grande.
- Como surgiu a canção “Mais uma vez”, parceria do cantor com Flávio Venturini?
- Hely: Foi nos anos 80, quando o 14 Bis estava ensaiando um tema do Flávio Venturini num dos estúdios da EMI. Ao lado do nosso, estava a Legião Urbana. Nós passamos semanas tocando este tema. Num belo dia, Renato Russo invadiu o estúdio dizendo “Esta música tem letra?”. Quando soube que não, ele então mostrou metade de uma letra que ele já estava compondo nos últimos dias. Assim nasceu “Mais uma Vez”.
- O grupo sente falta do universo coletivo dos estúdios de gravação, onde os músicos e compositores partilhavam idéias, se encontravam, varavam madrugadas gravando etc?
- Hely: Este espírito coletivo foi perdido. Hoje cada um tem seu próprio estúdio em casa e não existe mais a coisa acontecendo entre as pessoas.
-Qual a relação que o 14 Bis estabelece com o público? Uma nova geração está curtindo o 14 Bis?
Hely: Nosso público tem se renovados sempre. Todo show dá um friozinho na barriga, é sempre uma emoção nova.
- Cláudio Venturini, o que costuma tocar na sua vitrola nos últimos dias?
- Cláudio Venturini: Faz duas semanas que eu só tenho ouvido 14 Bis (risos). Quando estávamos vindo para cá eu estava ouvindo Jorge Benson. Eu costumo ouvir muito jazz e rock ´and´roll. No meu carro sempre toca Steve Vay, Joe Satriani, Jimi Hendrix, Jeff Beck, The Who.
-Você aceita o estigma de ser considerado o rockeiro do 14 Bis?
- Cláudio Venturini: O grupo sempre teve este lado MPB, mas eu sou o lado rock da parada. Sempre toquei rock com a galera de Belo Horizonte. Sempre andei, inclusive, no meio do heavy metal, onde sempre dou minhas canjas em algumas bandas.
- Podemos perceber até umas levadas progressivas no som do 14 Bis dos primeiros álbuns, não é?
- Cláudio Venturini: É cara, mas hoje fazer este tipo de som fica mais difícil, pois temos dois tecladistas na banda. É muito dedo, muita nota musical. Com a tecnologia de hoje, a gente consegue colocar a guitarra em uma nota, naquela época não dava.
- Vermelho, como foi ter participado da gravação do histórico disco de Milton Nascimento, o Clube da Esquina II (1978)?
- Vermelho: A gente aprendeu muito, né? O Milton Nascimento tinha uma coisa que o Miles Davis tinha, que era saber trabalhar com os músicos. Ele sabia organizar cada instrumentista dentro de toda esta improvisação que é a música popular. Hoje ele não utiliza mais esta capacidade.
- Qual era o clima do encontro de tantas estrelas dentro do estúdio de gravação?
- Vermelho: Eu fiz os arranjos da canção “Paixão e Fé”, de autoria de Fernando Brant e Tavinho Moura, que tem a participação do coro dos Canarinhos de Petrópolis. Os meninos que participaram da gravação eram estudantes de colégio interno católico. O estúdio da EMI era grande, então, nos intervalos, eles ficavam jogando bola lá dentro. A gravação demorou muito, pois não é fácil microfonar e colocar um coro numa música. O frei alemão ficava dando bronca nos meninos. No final, eles cantaram direitinho e bateram palmas. Gravar este disco foi uma emoção muito grande.
quarta-feira, 18 de abril de 2007
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Um comentário:
Nós fãs da boa música só temos a parabenizar por essa entrevista.
Abraço e sucesso.
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