quinta-feira, 19 de abril de 2007

Meninos, Eu Vi!


Durante pelo menos os últimos 30 anos, a assessora de impressa e relações públicas Gilda Mattoso esteve no olho do furacão dos acontecimentos da MPB. Foi assessorando mitos como Gilberto Gil, Tom Jobim, Caetano Veloso e Maria Bethânia, durante suas turnês nacionais e internacionais, que esta carioca aprendeu sua profissão.

Pois agora, ela decidiu colocar a boca no trombone e contar tudo ou “quase” tudo o que sabe em seu livro “Assessora de Encrenca” (Ediouro, 239 pág.), que chegou as livrarias recentemente. O clima da narrativa é paltado pela rotina de viagens, shows, coletivas, diárias em hotéis e restaurantes, a qual todo grande artista é obrigado a enfrentar.

Caso a intenção do leitor seja se deleitar com fofocas picantes ou coisas do tipo sobre o universo dos famosos compositores e interpretes, é melhor tirar logo o time de campo. “Assessora de Encrenca” é antes um livro de crônicas pessoais.

O prefácio ficou a cargo de Caetano Veloso. “Todos confiamos nela. Mas a razão mais forte para isso me parece ser o prazer que sempre encontramos em sua inteligência, em sua combinação única de irreverência e recato, de veia satírica e descrição”. A contra-capa também não deixa por menos e traz um bem humorado texto do cineasta Pedro Almodóvar.

Muitas das histórias apresentadas no livro foram baseadas nos diários de viagem da autora, que, meticulosamente, parece ter anotado tudo: horários, nomes de hotéis e restaurantes , contratempos etc.

Quem é você?

Gilda Mattoso é uma velha conhecida do universo do showbiz brasileiro. Tudo começou nos anos 70, quando ela se aventurou pela exterior, exercendo atividades das mais diversas, chegando a trabalhar numa loja de presentes da capital londrina, a “Smythson´s Bond Street”, cuja clientela era composta por nomes pomposos: Fred Astaire, Frank Sinatra, Ava Gardner, entre outros.

Seu feeling sobre o assunto ganhou densidade neste momento, como ela própria revela. “Essa experiência serviu para que eu me acostumasse ao trato com famosos, poupando-me da ‘síndrome da tietagem’, isto é, do deslumbre frente às personagens”.

Mais foi com o italiano Franco Fontana, que fazia produções de artistas brasileiros na Europa, que Gilda Mattoso conseguiu galgar mais alguns degraus na difícil arte de assessorar artistas. A segunda fase de sua carreira começa em 1980, quando ela trabalhou por nove anos em dois consagrados antros do mercado fonográfico brasileiro, as gravadoras Ariola e Polygram (hoje Universal Music).

Em 1989, a autora passou a assessorar em sua própria empresa vários artistas, entre eles, Gal Costa, Zeca Pagodinho e Afro Reggae.

Para viver um grande amor

A autora conta que o título do livro é uma referência à sua filha Marina, que na infância, certa vez disse: “Quero ser igual a você, mamãe, assessora de encrenca”. O belo trabalho gráfico da obra, de autoria de Luís Stein, reproduz uma série de credenciais de Gilda Mattoso, formando um mosaico de imagens das mais belas.

Quem abre o pequeno volume é Vinícius de Moraes. Não era para menos, pois Gilda Mattoso foi sua última esposa. Os dois anos vividos ao lado do “poetinha” são descritos de forma despretensiosa e suave, relatando os encontros, as manias e os momentos inusitados vividos ao seu lado.

Como é o caso de um show realizado na cidade de Montevidéu, quando Vinícius, acompanhado de Maria Creuza e Toquinho, ficou literalmente nu diante do público, depois que o cinto de sua calça cedeu.

Este capítulo, como todos os outros, é recheado de fotos. Difícil não se impressionar com as várias dedicatórias escritas pelo autor de “Soneto da Separação” para Gilda Mattoso. As mesmas, que foram reproduzidas em fac-símile, revelam sua dinâmica amorosa e sua fome de viver.
“Vinícius não morreu rico (...) O que é surpreendente para um autor cuja obra corria o mundo, com centenas de edições e gravações em quase todas as línguas (...) Mas ele tinha verdadeira alergia ao assunto ‘ dinheiro’”, revela a certa altura.
Leãozinho

Talvez um dos pontos altos do livro sejam alguns momentos vividos ao lado de Caetano Veloso, com quem trabalhou por mais de 15 anos. Seu primeiro encontro com o artista aconteceu em 1978.

Neste trecho de “Assessora de Impressa”, situações rocambolescas e hilárias são trazidas à luz paro o leitor. São cenas que alargam as situações por vezes surreais a que muitos astros da nossa música são obrigados a enfrentar, como um ar condicionado com problemas indecifráveis, um diretor de TV impertinente, entre outros.

Mas, tudo bem, é lá também que encontramos um Michelangelo Antonioni (um dos maiores cineastas do mundo), emocionado diante de uma canção de Caetano durante um show na pequena cidade italiana de Assis.

Como sobremesa ainda tem o relato de um fato ocorrido durante o “Úmbria Jazz Festival”, em Perúgia, na Itália, momento este que propiciou o encontro histórico entre Caetano e João Gilberto. “Na frente, os dois artistas com seus violões transformaram o bis num outro show e tudo durou uns 45 minutos. As pessoas, inclusive alguns jornalistas que tiveram que sair antes do bis pra bater suas matérias, não podiam acreditar, no dia seguinte, no que tinham perdido”. Bastidores são sempre bastidores. Fui claro?

Diz que fui por aí

Além destes retratados, Gilda Mattoso descreveu momentos interessantes ao lado de Tom Jobim, Djavan, Milton Nascimento, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, Ney Matogrosso, entre outros. Histórias de sua família também são mostradas no final do livro.

Em entrevista ao Jornal “O Estado de São Paulo”, a autora afirmou que muita coisa mudou no showbiz hoje. Ela salientou que a “industria das celebridades” não existia até então. “Nos anos 80, você ia ao Baixo Leblon e encontrava Alceu Valença, Marina, Gil. Tom Jobim ia à padaria a pé. Vinícius era encontrado ali na farmácia Piauí. Ninguém tinha segurança, motorista, carro blindado com vidro preto. Não havia essa loucura de paparazzi”, concluiu.

Como se vê, “Assessora de Encrenca” investe menos em revelações bombásticas do que em curiosidades deliciosas. Caberá ao leitor agora encontrá-las e tomar as suas próprias conclusões.

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